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ÚNICA No. 1774 - 28 Outubro 2006
Rostos da diferença
Quem vai cuidar do meu filho
quando ele crescer e eu já não estiver cá? A
pergunta ganha contornos dramáticos quando falamos de deficientes
mentais. Hoje, sociedade e Estado sabem responder melhor à
questão. Mas não a resolvem na totalidade. Não
obstante, há histórias de sucesso.
Texto de Katya Delimbeuf
Fotografias de Ana Baião
O sorriso de Tchipinda só rivaliza
com as inúmeras sardas que lhe inundam a cara. Tem muitas,
muitas, este são-tomense de 29 anos com jeitos de menino traquina.
A mãe vive em Londres, o pai em São Tomé, e ele
está entregue aos cuidados da Cercica, onde é assistente
de apoio domiciliário desde 1997. Tchipinda tem um grau de
deficiência ligeiro, é perfeitamente capaz de manter
uma conversa. Além disso, é um galanteador - gosta de
cumprimentar as jovens com um beijo na mão. Vive na «residência
dos autónomos» há um ano, que paga com uma percentagem
do ordenado, e partilha o quarto com Bruno, de 24 anos, também
ele trabalhador. Entre as 9h e as 18h, Tchipinda prepara refeições
e lava marmitas, que ajuda a distribuir. Chega a entregar «50
por dia», mas garante que «não é difícil,
para quem gosta de ajudar o próximo». Fez um curso de
formação em horticultura na instituição,
e depois outro de auxiliar de ajudantes familiares. A Cercica dá
variadíssimos cursos de formação a deficientes
mentais e pode orgulhar-se de ter ajudado à integração
de muitos.
Tchipinda recebe um ordenado, que ele próprio gere, e que gasta
em «cinema, jogos de PlayStation, Internet (todas as sextas-feiras
vai ver o «e-mail»), e viagens». Às 18h,
depois do trabalho, ruma à residência, onde faz as tarefas
que lhe cabem. Uma vez por semana, é responsável por
fazer o jantar. Ocupa os tempos livres a ler, a passear a Maggie,
uma das cadelas da casa, ou a ver televisão. Bruno Candeias,
o companheiro de quarto, é outro caso de sucesso e de integração
profissional. Para ele, Tchipinda «é um irmão».
Mas está na residência há bem mais tempo que ele:
quatro anos. Antes, vivia «com o pai e a madrinha, mas em casa
havia muita confusão...», confidencia. Bruno não
diz mas sabem-no os técnicos: foi acolhido na Cercica porque
passava muitas noites na rua, ao relento. Agora, trabalha numa empresa
de embalagem de bolos há sete meses. Cola etiquetas, entrega
caixas às pessoas, anda de touca «para não contaminar
os alimentos». Se pudesse escolher, «gostaria de ser fotógrafo».
Tem centenas de fotografias de pombos. Antes, já tinha trabalhado
em jardinagem e em apoio domiciliário, em empresas com as quais
a instituição e a Câmara têm acordos.
O seu diagnóstico é «perturbação
borderline da personalidade» - tem oscilações
bruscas de humor, mas é autónomo. A seguir ao trabalho,
volta para a residência de transportes públicos, toma
banho, cozinha, quando é o dia dele, e, no tempo livre, escreve
letras de músicas. Gosta muito de escrever e de ler. Está
neste momento a acabar O Diário de Anne Frank. «Colecciona»
namoradas, na esperança de encontrar a certa. Sonha em casar
e constituir família.
Lutar contra a diferença
«Absolutamente fundamental». É assim que Ana Serpa,
mãe de Filipe, ex-utente da instituição e também
a trabalhar, define a ajuda da Cercica ao fazer a ponte para a integração
profissional. Visivelmente emocionada, confessa: «Nessas alturas,
nós, pais, sentimo-nos muito perdidos. É preciso vencer
muita coisa: o estigma, a luta contra a diferença...»
Ana considera que a sociedade devia «centrar-se mais no desenvolvimento
das capacidades de cada um destes jovens do que nos seus problemas.
Porque todos eles sabem fazer alguma coisa. Além disso, sentem-se
mais úteis e realizados do que se estiverem a receber um subsídio
ou uma pensão sem fazer nada». Filipe, 23 anos, lindos
olhos azuis, vem vestido e engravatado com a farda que usa no trabalho.
Depois de um estágio de seis meses, foi contratado em Maio
para o El Corte Inglés da Beloura. Tem um «part-time»
das 14h às 17h, no departamento de reposição
de «stock». Trabalha seis dias seguidos e folga dois,
o que veio alterar um bocadinho a sua vida social - nomeadamente os
almoços com as avós, ao fim-de-semana. Filipe garante
que gosta do ambiente, dos colegas. Vai para o emprego de comboio,
da Parede até São João do Estoril, e depois apanha
um autocarro até ao trabalho.
A mãe de Filipe não mede elogios à Cercica. E
conta os progressos do filho desde que entrou para ali, aos 18 anos.
Rosa Neto, a directora, reforça: «Era bastante mais reservado.
Desenvolveu muito as competências sociais. A coordenação
motora. E a autonomia». Filipe não tem diagnóstico
definido, sabe-se apenas que possui um atraso de desenvolvimento ligeiro
a médio. Tirou o curso de canicultura, durante quatro anos.
Dava banho aos cães (há cinco: duas Collie, dois Labrador
e um Boxer), tosquiava-os, fazia exercícios de «agility»,
preparava-os para concursos. O que mais gostava era de «lavar
os canis». Entrava às 9h e saía às 17h.
Além do curso, tinha aulas de cidadania, competências
sociais, informática, educação física.
Nos tempos livres, Filipe anda de bicicleta, faz «rappel»,
escalada ou canoagem, actividades que experimentou pela primeira vez
no projecto Vital - um programa universitário que, desde 2000,
vive de voluntários e tem por objectivo sensibilizar a população
e os futuros quadros do país para a problemática da
deficiência mental e a necessidade de integração.
A outra face da inclusão
Mas os casos de integração de deficientes mentais no
mercado de trabalho estão longe de ser a maioria. Nas instituições
que existem pelo país, fundamentais no apoio às famílias,
há doentes de todos os tipos e com os mais variados graus de
dependência: do deficiente profundo ao intermédio, existe
um mundo de pessoas - com nomes, sorrisos e individualidades. O EXPRESSO
foi conhecer o dia-a-dia de duas instituições - uma
na capital, a CEDEMA, no bairro social da Ameixoeira, outra no interior
do país, em Almodôvar, a CERCICOA. Viagem a um mundo
que, ao contrário do que se possa pensar, pouco tem de triste.
Reina a animação na carrinha da Cedema. São 14h
de uma quarta-feira, e estamos de partida para a aula de hipoterapia.
Dez utentes e três funcionários enchem o veículo
que ruma ao picadeiro da GNR em Braço de Prata onde, uma vez
por semana, estes «meninos», dos 23 aos 45 anos, vão
montar a cavalo. Vera dá-me as boas-vindas com um beijo na
mão. Não me conhece, mas isso não a impede de
fazer um amigo. É gordinha, bem disposta e tem trisomia 21.
André não se esqueceu do meu nome: tem uma paralisia
cerebral, não consegue andar sozinho, tem epilepsia e um atraso
neurológico... mas comunica perfeitamente e gosta de estabelecer
relações. Está há dois anos na instituição.
Chegou com medo de tudo e de todos, defendendo-se com os braços
como se lhe fossem bater. Agora, vive em pânico de se ir embora.
«Esta é a minha família», diz de imediato.
No autocarro seguem ainda Tininha, 23 anos, Gabi, 20, Nuno, 29, Gabriel,
30, Ana Teresa, 23, e Isabel, 45. À medida que se vão
descobrindo os nomes e as histórias, é fácil
afeiçoarmo-nos a estes «miúdos», que já
deixaram de o ser. Gabi é brasileira. Conta que se deitou tarde
na véspera, a ver «um filme de aviões».
É hiperactiva, não consegue fixar nem aprender. Só
memoriza letras de canções. Passamos ao lado do estádio
do Sporting e começam os despiques. «Spoooorting...!»,
grita Vera. Gabi, à sua frente, acaba de mudar de clube: «Agora
sou do Porto. O Sporting não ganha campeonato mesmo...»
Vera mete-se com João Pereira, o professor de Motricidade Humana
e Reabilitação. Inventa-lhe namoradas, elogia-lhe o
físico.
Chegamos ao picadeiro, onde já montam meninos de outras instituições.
Há dois anos que os utentes da Cedema fazem hipoterapia. «Notam-se
melhorias a nível motor, e, sobretudo, de motivação»,
explica Guillaume Oliveira, animador. «Isto é muito benéfico
para eles, até pelo calor do animal...», continua João.
«Melhora-lhes a coordenação, o equilíbrio».
Treinar o equilíbrio
João fica com os casos mais complicados, Guillaume com os que
montam sozinhos. De toque na cabeça, André, um dos mais
problemáticos a nível motor, está pronto. Deitado
de costas, em cima do cavalo, trabalha o equilíbrio. Faz exercícios
com uma bola, que tem de agarrar e passar a João. Entretanto,
Guillaume ocupa-se de Teresa. «Mãos à cintura»,
pede. «Agora, quando deres a volta, olhas para cima (para o
balcão onde estamos sentados), tiras a fotografia
e dizes-me quem é que está lá em cima, ok?»
«Mãos na garupa - que é o rabiosque. Olha para
a mão. Costas direitas. Roda os ombros. Isso...» Segue-se
Gabi. «Pôr as mãos atrás da nuca, abrir
as asas», continua Guillaume. «Não sou passarinho...!»,
retorque ela de imediato, no seu sotaque brasileiro e jeito «arrebitado».
Uma hora mais tarde, o autocarro ruma de volta à Cedema. Alguns
vão para a aula de cerâmica da professora Isabel, onde
pintam, fazem fantoches em «papier maché», ou simples
rabiscos que darão belos quadros. Às 16h15 é
o lanche, e depois passa a carrinha para os levar a casa. «Quanto
mais nos envolvemos nesta área, mais notamos as suas carências»,
diz-nos Maria Antónia Machado, presidente da Cedema há
13 anos - e mãe de um filho de 39 com síndroma de Down.
«Estão sempre a bater-nos à porta casos dramáticos.
No outro dia, veio cá uma família cujo pai tinha cancro,
a mãe estava com uma depressão profundíssima,
e tinham um filho deficiente que não sabiam com quem deixar.
O pai não se ia tratar, andava com os pés todos em ferida,
enrolados em trapos velhos, porque não tinha ninguém
que lhe tomasse conta do rapaz».
E no interior, como é?
Poderia ter-se a tendência para pensar que no país profundo
as dificuldades das pessoas com deficiência mental seriam muito
maiores e o apoio das instituições menor. Escolhemos
Almodôvar pela interioridade. A 65 km de Beja, esta vila de
oito mil habitantes é um bom exemplo da pacatez do Alentejo.
Na sala do CAO (Centro de Actividades Ocupacionais), Marta entretém-se
a recortar revistas, com o sorriso maroto de quem está na iminência
de fazer um disparate. Trata toda a gente por «amiga»,
enquanto vai mostrando recortes de noivas e de receitas. Nelson faz
exercícios de matemática, Susana borda. Maria José
pinta com lápis de cor os contornos de um bambi, e Fernanda,
uma mulher muito gorda, desfolha uma «Caras» com Lili
Caneças na capa. Fernando joga copas no computador, antes de
se cansar e rumar à bicicleta de ginástica, pedalando
vigorosamente. Pergunta-me o nome e memoriza-o de imediato. Repete-o
muitas vezes, enquanto pedala. «Vamos fazer a maratona»,
diz. Sílvia, cabelo curto, está sentada a uma mesa,
a um canto da sala. Rasga folhas de revista, amachuca-as em forma
de bola, e mete-as no bolso. Repete uma, duas, três vezes -
até ter os bolsos monstruosamente cheios. Esta poderia ser
uma sala de ATL de crianças, com dois vigilantes a tomar conta
deles. Só que estas «crianças» são
mais velhas e têm algumas particularidades. Não é
um ambiente constrangedor. Em boa verdade, poderia ter saído
de um filme de Kusturica ou de Lars von Trier. O mesmo é dizer
que este é um mundo um pouco excêntrico, mas passível
de ser compreendido com uma boa dose de humor.
Chega Maria de Fátima, 38 anos. Pergunta-me o nome e começa
a falar. Pede-me para desenhar. O nome dela. A casa do primo. O carro.
O primo. Uma carteira, uma mala... Enfim, uma sucessão de objectos,
que pede para ver, sendo que na verdade pouco vê. Só
se quer entreter. Começa a trautear Laura Pausini, «La
Solitudine», num italiano aldrabado. «Gosto muito de si»,
diz, «sou sua amiga. E você, é minha amiga?»
Pede uma caneta. Uma folha, qualquer coisa. Vive na residência
há três anos. Enquanto isso, Susana partilha «as
partidas» de Fernando e António, «quando os vigilantes
vão jantar». «Andam os dois atrás de mim,
parecem duas melgas!», e ri-se. Engana bem... Mais tarde, fico
a saber pelo director que ela é quem provoca os rapazes, com
promessas de roupa a menos.
16h, hora do lanche. É vê-los correr... Parece que tocou
um gongo. Dois iogurtes são devorados em três tempos.
As refeições são das alturas de maior prazer
para eles. São também uma compensação
afectiva. Depois, os residentes juntam-se na sala. Alguns vêem
televisão - os omnipresentes «Morangos com Açúcar»...
Há quem tome banho antes do jantar, entre as 18h30 e as 19h.
A maioria deita-se pelas 21h, já que no dia seguinte acordam
cedo, pelas 8h30.
Melhor saúde mental
As instalações da Cercicoa são boas. Além
do jardim, da residência, com sete quartos, da sala de estar,
e do CAO, há outras quatro salas de actividades e uma outra
muito especial: a «snoezelen». Na «sala de relaxamento»
há uma série de estímulos visuais e tácteis
pensados para descontrair: um colchão de água, uma piscina
de bolas como as dos miúdos, colunas de água, candeeiros
de lava, quadros de toque com várias texturas, projectores
de parede, uma casa de espelhos
O projecto, financiado pela
Fundação Calouste Gulbenkian, no valor de 15 mil euros,
veio inteirinho da Holanda, e foi instalado por uma terapeuta da mesma
nacionalidade. Um exemplo de como houve melhorias nos equipamentos
e na resposta das instituições à deficiência
mental. Afinal, apesar das necessidades serem ainda muitas, já
há 30 residências de CERCI pelo país fora. E embora
António Matias defenda que seria preciso «fazer um levantamento
do número exacto de deficientes a precisar de apoio residencial,
para se poder calcular uma estimativa a 30-40 anos», reconhece:
«Apesar de tudo, houve muitas melhorias no panorama da saúde
mental no nosso país».Reportagem de Katya Delimbeuf (textos)
e Tiago Miranda (fotografias)
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Orçamento deficiente
O Estado deu com uma mão e tirou com
a outra nas isenções fiscais atribuídas a pessoas
portadoras de deficiência. Ou seja, as novas regras definidas
pela proposta de Orçamento do Estado (OE) para 2007 beneficiam
as famílias que têm a seu cargo deficientes, ao mesmo
tempo que penalizam os deficientes com rendimentos, em particular
aqueles que têm salários ou pensões mais elevados.
O Governo «apagou» a anterior legislação
e estabeleceu que, a partir do próximo ano, os contribuintes
deficientes podem abater à colecta três salários
mínimos, sendo que as famílias com deficientes a seu
cargo podem abater um salário mínimo ao IRS. Até
agora, o imposto dos contribuintes com deficiência comprovada
igual ou superior a 60% tinha em conta apenas 50% dos seus rendimentos.
Segundo os cálculos da Divisão de Consultoria Fiscal
da Deloitte, um contribuinte deficiente e solteiro com um rendimento
anual de 20 mil euros irá pagar quase dezoito vezes mais de
IRS em 2007. Ou seja, em vez dos 177 euros actuais terá que
desembolsar 3.163 euros.
A mudança fez estalar a polémica. A oposição
e as associações de deficientes caíram em cima
do ministro das Finanças, Teixeira dos Santos. E o secretário
de Estado dos Assuntos Fiscais, João Amaral Tomaz, foi «obrigado»
não só a reunir-se com a direcção da Associação
Portuguesa de Deficientes (APD), mas também a justificar esta
opção nos meios de comunicação social.
Amaral Tomaz defendeu a proposta do Governo alegando que «o
tratamento fiscal dado às pessoas com deficiência era
injusto e iníquo, uma vez que o sistema dependia dos rendimentos».
O que, na prática, implica um benefício fiscal tanto
maior, quanto maior for o rendimento. Mas o argumento não convenceu
a APD (tem 23 mil associados) que, entretanto, reclamou a suspensão
do novo regime até 2008, para ter tempo de debater as alterações
com as várias associações que representam os
interesses dos deficientes. O presidente da APD, Humberto Santos,
concordou com a necessidade de apoiar as famílias com deficientes
a cargo, mas lembrou que isso não deve ser à custa dos
outros que trabalham.
Por outro lado, a proposta de OE abre caminho à revisão
da lista de produtos e ajudas técnicas destinados a deficientes
sobre as quais incide uma taxa de IVA reduzida (5%). A secretária
de Estado da Reabilitação, Idália Moniz (que
participou na reunião com a APD), garantiu que a ideia é
tornar menos onerosa a aquisição de utensílios
ou aparelhos de uso específico de pessoas com dependência.
Neste OE também são anuladas as diferenças progressivas
de incapacidade, passando a existir uma única categoria, acima
dos 60% de invalidez. Além disso, o Governo anunciou que vai
reavaliar os critérios que determinam o grau de deficiência.
Mesmo com estas alterações, o Ministério das
Finanças calcula que o apoio fiscal aos deficientes irá
custar 159,9 milhões de euros, no próximo ano, mais
9,9 milhões de euros do que em 2006.
Texto de Ana Sofia Santos
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Ajuda de pais
Cercica (Cooperativa de Educação e Reabilitação
de Cidadãos Inadaptados de Cascais), Estoril
R. Principal, n.º 320/320 A, Livramento. Tel. 21 466 15 56
Existe desde 1976 e estende-se por cinco hectares, onde abundam
jardins e uma horta com todo o tipo de árvores de fruto. Na
Cercica há um Centro de Actividades Ocupacionais (CAO), que
funciona das 9h às 17h, para os portadores de deficiência
mais profunda; uma piscina nova, aberta à comunidade; um auditório
com palco, onde actores dão cursos de teatro; e várias
salas para outros cursos, como pintura e dança. O Centro de
Formação, que existe desde 1989 e acolhe 82 jovens dos
16 anos em diante, oferece uma diversidade de 18 cursos. «Cozinha,
jardinagem, serviço de bar e de lavandaria são os mais
procurados, também porque são os que têm maior
aceitação do mercado», explica Rosa Neto, directora
da Cercica desde sempre. Por isso é que o índice de
empregabilidade dos jovens com deficiência que ali fazem cursos
de formação é de 50-60%. É claro que há
benefícios financeiros para os patrões que os empregam
- mas o clima económico do país não está
propriamente de feição...
Ao todo, a Cercica apoia 270 jovens, dos zero aos 54 anos. Além
da educação especial (dos seis aos 16 anos), da formação
profissional (a partir dos 16), do CAO, conta com outra valência
preciosa: as residências. Estas nasceram como resposta ao envelhecimento
dos pais e às suas angústias face ao futuro dos filhos.
Neste momento, a instituição tem três espaços
com 16 camas, em São João do Estoril: duas residências
para autónomos e outra para deficientes profundos, num total
de 36 utentes - entre os quais três órfãos.
Cedema (Centro para Deficientes Mentais Adultos), Lisboa
Zona 2-3 da Ameixoeira.
Tel. 21 759 09 53
Criada em 1982 por um
grupo de pais que, «ao ver-se envelhecer, viviam a angústia
de não saber com quem e em que condições iriam
deixar os filhos», procura prestar apoio sobretudo a deficientes
mentais adultos, pois são estes que, a partir de determinada
idade, «vão deixando de ter espaço nas instituições».
Os utentes da Cedema têm entre 16 e 53 anos. Antigamente, a
esperança de vida dos deficientes mentais era mais curta -
e por isso não era tão comum os filhos sobreviverem
aos seus progenitores. Com o avanço da ciência, muitos
mais chegam a adultos - daí o problema colocar-se com outra
acuidade.
Foi «por espírito de missão» que Maria Antónia
aceitou o convite para presidir à Cedema. Aqui, «todos
os funcionários são polivalentes», diz dos vinte
que lá trabalham. «A começar por mim». «Muitas
vezes lavei os nossos meninos, cozinhei para eles, cortei-lhes o cabelo.
Não há frases como esta não é a
minha área. Toda a gente faz tudo. A felicidade deles
é a única coisa que nos preocupa», assegura.
Há muitas actividades por onde escolher na Cedema: teatro,
natação, golfe, informática, massagens, ginástica,
pintura, cerâmica... A instituição tem três
valências: o lar, para 12 utentes, onde os meninos ficam quando
os pais estão doentes ou precisam de se ausentar; a residência,
para seis utentes - «entre os quais se contam já três
órfãos»; o Centro de Actividades Ocupacionais
(CAO), com 25 utentes durante o dia. E há ainda o apoio domiciliário,
que chega a oito pessoas. Neste momento, o projecto mais desejado
é a construção de um Lar-residência permanente
para 20 utentes e cinco familiares, com o propósito de «garantir
o amanhã». Esta preocupação, que não
abandona a mente dos pais, seria bastante atenuada com a construção
do Lar Telhadinho. Terreno já há, cedido pela Câmara
Municipal de Odivelas, e projecto aprovado também - «agora
só falta o dinheiro para a construção,
1.500.000 euros, já para não falar do equipamento».
Uma soma a que a Cedema tenta chegar com iniciativas como o peditório
anual, um torneio de golfe, donativos de empresas e particulares,
e as quotas dos sócios - 500 -, que pagam 12 euros por ano.
Cercicoa (Cooperação de Educação
e Reabilitação de Crianças Inadaptadas), Almodôvar
Estrada de São Barnabé.
Tel. 286 660 040
Fundada em 1979, serve 40 utentes e tem várias valências.
Para além do CAO e dos cursos de formação, a
residência, construída em Outubro de 2004 para 15 camas,
está lotada desde então. Esta CERCI abrange quatro concelhos,
num raio de 400 km. Tem uma lista de espera de 30 pessoas. «Há
pedidos de Braga, de Coimbra, do Porto...», revela António
Matias, director, assistente social de formação. A maior
procura incide nos «deficientes com cerca de 30 anos, cujos
pais já têm muita dificuldade em tomar conta deles. Muitos
preferem manter os filhos em casa até poderem. Depois, às
vezes, surge uma doença súbita, incapacitante, e inscrevem-nos
em todo o lado, desesperados».
A residência é para maiores de 16 anos. Neste momento,
dos 15 que lá vivem, o mais velho tem 40 anos, mas a média
anda na trintena. Nos critérios de selecção pesam
três factores: a ausência de família (Joaquim e
Fátima, por exemplo, são órfãos); viver
na área de residência abrangida pela CERCI; e frequentar
o CAO (o Centro de Actividades Ocupacionais).
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O olhar irmão
Diz Afonso, nove anos: «O meu irmão
Henri tem 15 anos e tem trissomia 21. Eu gosto de brincar com ele,
principalmente de andar a cavalo e de bicicleta. Não gosto
quando repete o que eu digo, nem quando ressona. Também fico
irritado quando é teimoso. Penso que quando o Henri crescer
vai ter uma vida normal. Ele não gosta muito de estudar e ainda
não lê muito bem, por isso acho que pode ser engenheiro
agrónomo porque não é um trabalho muito difícil
e também porque não tem que fazer muitas contas. Às
vezes o Henri faz asneiras. Uma vez pôs um brinquedo eléctrico
ligado dentro de um aquário com água. Outra vez partiu-se
um espelho dentro da banheira e ele deixou-se ficar lá dentro.
Ele não percebe quando corre perigo, e por isso tem que se
tomar conta dele».
Este é um dos 38 testemunhos de irmãos de portadores
de deficiência, que resultou no livro Crescer com Um Irmão
Diferente, a ser lançado no próximo dia 4 de Novembro.
Ana Aragão Morais, 43 anos, professora de Inglês e Tradução
na Universidade Católica, e Carmo Teixeira Turquin recolheram
testemunhos de irmãos de «crianças e jovens com
necessidades especiais», com idades dos sete aos 25 anos. A
primeira tem um sobrinho com uma deficiência rara, trissomia
8, a segunda é mãe de um menino com trissomia 21. «Em
Portugal, as pessoas ainda têm muita dificuldade em lidar com
a diferença», partilha Ana Aragão Morais. «Os
miúdos são unânimes em dizer que é
o olhar dos outros que magoa, o facto de ser visível que as
pessoas não sabem o que fazer».
Com prefácio do neuropediatra Nuno Lobo Antunes, director clínico
do Cadin (Centro de Apoio ao Desenvolvimento Infantil, em Cascais),
o livro é dedicado «a todas as irmãs e irmãos
das 100 mil crianças com problemas de desenvolvimento em Portugal»,
«pois quando numa família há um filho com necessidades
especiais, os outros filhos também têm necessidades especiais».
Diz Constança, 14 anos: «O meu irmão é
diferente pois é anormalmente meigo, anormalmente querido e
anormalmente sensível... Infelizmente ainda não conheci
muita gente com as características que ele tem».
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Nome: Tchipinda
Idade: 29 anos
Residência: Vive há um ano na residência dos autónomos
da Cercica. Vários cursos de formação (horticultura,
apoio domiciliário)
Profissão: Assistente de apoio domiciliário desde 1997.
Entrega 50 refeições por dia
Nome: Bruno Candeias
Idade: 24 anos
Residência: Vive há quatro anos na residência da
Cercica, onde fez o curso de jardinagem e de apoio domiciliário
Profissão: Trabalha numa empresa de embalagem de bolos há
sete meses
Nome: Filipe Serpa
Idade: 23 anos
Residência: Casa dos pais
Formação: Curso de 4 anos de canicultura na Cercica
Profissão: «Part-time» (14h às 17h) no El
Corte Inglès da Beloura. Trabalha no departamento de reposição
de «stock»
IVAN (na cadeira de rodas) na aula de hipoterapia, que estimula a
coordenação motora e o equilíbrio
LISETE, 28 anos, surda-muda, dá vida a um coração
de esferovite na aula de artes manuais
VERA e Ana Teresa adoram dançar na hora livre a seguir ao almoço
(Cedema)
ANDRÉ oferece-nos
um desenho, à saída da aula de informática. «Esta
é a minha família», diz
VITÓ, 51 anos, e Francisco, órfãos, à
porta dos quartos, na residência da Cedema
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