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ÚNICA N. 1629 17 Janeiro 2004
O
triunfo do jazz
Tornou-se conhecida como professora
da «Operação Triunfo». Mas há mais
de dez anos que Paula Oliveira dá cartas dentro e fora do país.
Texto de Katya Delimbeuf
Fotografia de João Carlos Santos
Só há pouco chegou junto
do grande público, como professora de voz e estilo da «Operação
Triunfo», a grande aposta da RTP. Aí, os portugueses
reconheceram-lhe o talento, a voz, a capacidade de ensinar, exigindo
profissionalismo e qualidade. Paula Oliveira não tem medo de
«dar na cabeça» aos seus «meninos»
nem de lhes puxar as orelhas - ou não achasse ela que é
a franqueza e a crítica o que mais faz crescer. Mas apesar
de só agora ter sido descoberta pelas «massas»,
esta cantora de jazz tem atrás de si um assinalável
percurso.
Com 38 anos feitos a 1 de Janeiro de 2004, Paula Oliveira vive um
momento alto na sua vida. Pedro e Luís, os filhos rapazes de
um e dois anos, são uma das causas da sua felicidade. Também
não se cansa de gabar os dotes do marido, o baixista Daniel
Pinto, com quem vive há dez anos, na partilha das tarefas domésticas
e «nas sopas que faz aos miúdos» . O êxito
televisivo da «Operação Triunfo» e o lançamento
do seu CD, Quase Então , acabaram de compor um ano em cheio.
Para 2004, Paula Oliveira só pede outro tão bom como
o que passou.
COSTELAS FLUTUANTES
Como em todos os seus desafios profissionais, Paula Oliveira veste
por completo a camisola da «OT». «Adoro fazer aquilo,
apesar de não ter nada a ver com a minha área de formação»
, diz. Garante não ter favoritos, e que o sentimento em relação
aos concorrentes é «quase maternal» . Afiança
aprender «imenso» com os alunos, «nas formas diferentes
de ensinar cada um». Portugal passou a conhecer «as costelas
flutuantes da professora Paula» , à conta de demonstrações
da localização do abdómen e adjacentes.
Nas suas aulas, proibiu que dissessem «Não sou capaz»
- «A perseverança é uma das minhas marcas»,
assegura. Assim como ser impulsiva e frontal. Para ela, ter alguém
que aponte «com franqueza os nossos pontos fracos ajuda-nos
a ser humildes». É por isso que o faz sem pejo. Ruben
Alves, o pianista da «OT» que trabalha com ela desde Janeiro
de 2003, destaca isso mesmo: «É uma excelente profissional,
muito directa, sem rodeios. Para além disso, é muito
activa, boa amiga e com sentido de humor».
A decisão de gravar o CD, lançado em Novembro de 2003,
foi anterior à entrada na «Operação Triunfo»,
mas é claro que a visibilidade dada pelo programa foi bem-vinda.
Quase Então viaja entre o jazz e a música tradicional
portuguesa, ao som das teclas do pianista João Paulo. O disco
«foi acontecendo» . O resultado é um CD «com
assinatura jazzística» , o que segundo Paula se nota
particularmente na última faixa, «Stella by Starlight».
O seu último - e primeiro - disco data de 1998 e era uma homenagem
a Elis Regina. Arredada das gravações nos últimos
anos, tem agora tantas ideias que afirma poder (e querer) «gravar
um CD por ano» . Já pensa no próximo, só
com temas de Ary dos Santos, que gostaria de cantar em quinteto.
Paula é também vice-presidente do Hot Clube, o histórico
clube de jazz de Lisboa, há seis anos, e professora de voz
há onze. Bernardo Moreira, presidente da Escola de Jazz do
Hot, não poupa nos elogios: «A nível pessoal,
a Paula é uma ave rara. É de uma lealdade inconcebível,
uma pessoa por quem se pode pôr a cabeça no cepo. De
espinha direita, tem valores que nada têm a ver com esta facilidade
moderna. Do ponto de vista profissional, ela não é cantora
- é um músico que toca garganta», considera. «Toca
garganta, como podia tocar saxofone ou outro instrumento qualquer.
Ela tem a atitude do músico: é humilde - não
se põe em bicos dos pés -, muito trabalhadora, profissional,
séria, autocrítica, disciplinada e muito afinada»
.
Actualmente, Paula dá aulas no Hot Clube duas manhãs
por semana, já que as tardes, das 14h às 20h, estão
ocupadas com a «Operação Triunfo» até
esta terminar. O restante tempo fica para os ensaios com o seu quarteto
de jazz - Carlos Carli na bateria, Rodrigo Gonçalves no piano
e Bernardo Moreira no contrabaixo, para além dela, na voz.
ESTREIA AOS 4 ANOS
A penúltima de seis irmãos de uma família de
classe média revelou cedo os seus interesses pela música.
Com apenas quatro anos, estreava-se no Teatro Avenida da sua Coimbra
natal, cantando um tema de Ary dos Santos. «Desde que me conheço
que dava cabo das molas das camas sempre que ouvia a nona sinfonia
de Beethoven ou via bailados na televisão. Detestava estudar.
Tinha fraquíssimo aproveitamento escolar. Passava horas a ouvir
música» .
No liceu, escolheu a área de música. Uma frase do professor
Joel Canhão, director do Orfeão de Coimbra, marcou-a:
«Se um dia te encontro na rua e sei que não foste estudar
canto, aperto-te o pescoço» . Dos 13 aos 14 anos, frequentou
o Conservatório de Ballet em Coimbra. Foi aí que a ouviram
cantar e a aconselharam a vir para Lisboa. A par do curso de Canto
Clássico, no Conservatório, formou uma banda de «covers»
e começou a cantar, por aí.
MIL OFÍCIOS
Aos 18 anos, teve a sua primeira experiência profissional.
Cantava em bares, hotéis, casamentos; fez trabalhos de estúdio,
«jingles», coros para outros discos; fez televisão,
trabalhou com Júlio Isidro... Até que, aos 24, frequentou
um trimestre na conceituada escola Taller de Musics, em Barcelona.
Foi aí que formou um grupo com professores e começou
a dar concertos de jazz. «Gostava de ter ficado» , confessa.
Deu o seu primeiro concerto a sério no estrangeiro, na Guiné-Bissau.
A partir daí, «ganhava umas massas e depois ia para fora
. O jazz foi aparecendo como um caminho muito definido» , conta.
Seguiu-se Nova Iorque e um curso de jazz na Manhattan School. Deu
concertos, estabeleceu contactos, internacionalizou-se antes de se
«nacionalizar». Depois, actuou um pouco por todo o lado:
Itália, Espanha, Dinamarca, Angola, Moçambique, EUA,
Tailândia, Indonésia... Estabeleceu um público
na Dinamarca e em Madrid. «Aliás, quando actuo no Hot
Clube» , diz, «há sempre alguém que pede
para comprar um CD e raramente é português...»
Agora que o nosso país a descobriu, Paula gostava de ver «a
vida continuar a acontecer» . Desejos não lhe faltam.
«Adorava fazer um dueto com Carlos do Carmo» , que considera
uma referência, ou com o amigo, Paulo de Carvalho. «Gostava
de gravar um disco com uma grande orquestra, com arranjos a cargo
de Vicente Mendonza, que vive nos EUA; de fazer um programa na televisão,
com música étnica, world music ou jazz que
não passam nos media. E adorava ter uma experiência
no cinema...»
Define-se como «uma pessoa com valores» , e é para
ela muito importante ser coerente. «Nunca tive sentido de oportunismo
na minha carreira» , afiança. « Sempre preferi
que viessem ter comigo. Aliás, sempre que as coisas não
aconteceram naturalmente, não correram bem» . Bernardo
Moreira confirma: «Há anos que a Paula faz regularmente
temporadas em Nova Iorque, durante o Inverno, e nunca andou atrás
de ninguém para divulgar o seu trabalho nos jornais ».
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No festival de jazz da Gulbenkian
A ensaiar com o seu quarteto, no Hot Clube, onde dá aulas
O seu novo CD, «Quase Então», foi lançado
no fim de 2003
Nas aulas de voz e estilo da «Operação Triunfo»
Mostrando a localização das costelas flutuantes
A fazer o «teste da vela»
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