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ÚNICA N. 1607 - 15 Agosto 2003
Sonhar com números
Apesar de Portugal estar sempre no fim de todas
as tabelas no que toca à matemática, um jovem português
ganhou uma menção honrosa nas Olimpíadas Internacionais.
Ainda há esperança.
Texto de Katya
Delimbeuf
Fotografias de Rui Duarte Silva
Há quem adormeça com um
problema de matemática por resolver e desperte com a solução
na cabeça. Há quem sonhe com integrais, matrizes e derivadas
e não acorde lavado em suor, como quem sai de um pesadelo.
Há quem não tenha jeito para lidar com pessoas, mas
apresente uma capacidade inata para lidar com números. Este
parece ser o caso de Domingos.
Num país com uma das piores estatísticas nos «rankings»
internacionais da matemática, Domingos Ramos Lopes é
uma honrosa excepção. Tão honrosa como a menção
que ganhou nas Olimpíadas Internacionais de Matemática,
entre 10 e 20 de Julho, em Tóquio, no Japão. Dos 457
participantes, este português de 17 anos, estudante do ensino
secundário da Gafanha da Nazaré, foi dos poucos que
trouxe para casa um prémio de alto prestígio. A provar
que a matemática não tem de ser um bicho papão
em que é normal não se ser bom. Afinal, como Domingos
diz aos colegas, quando eles têm dúvidas: «A matemática
é simples. Não a compliquem».
Nos dois dias de prova, nas Olimpíadas, havia três problemas
para resolver, em quatro horas e meia. Para conseguir uma menção
honrosa, era preciso ter dez pontos - ou seja, um exercício
integralmente certo. «O nível de ensino que o Domingos
teve nas aulas não lhe chegava para resolver o teste das Olimpíadas»,
admite Pedro Rangel, o seu professor de Matemática. «Mas
eu não posso esquecer o resto da turma, que tem um nível
totalmente diferente do de Domingos. O mérito é todo
dele, que ia para Coimbra aos fins-de-semana, ter aulas de preparação».
Era aí, na sala de aulas do Departamento de Matemática
da Universidade de Coimbra, que o esperavam um dos três professores:
Adérito Araújo, Ercília Sousa ou Joana Teles.
Durante um mês, Domingos fez exercícios de preparação
para as Olimpíadas - uma pálida amostra, se comparada
com a China, que prepara os seus alunos durante um ano inteiro (não
será por acaso que é umas das habituais vencedoras).
Havia já uma expectativa depositada em Domingos, desde que
ele ganhara, em Novembro do ano passado, uma medalha de bronze nas
Olimpíadas de São Paulo. A partir daí, foi fazer
as provas de apuramento para as Internacionais. Há 41 anos
que estas Olimpíadas se realizam, e há 15 que portugueses
participam. Até já ganhámos uma medalha de bronze
e várias menções honrosas, mas nem por isso o
evento tem tido particular divulgação. À semelhança
do que se passa com a disciplina, só se ouve falar de matemática
quando é para dizer que estamos na cauda da Europa.
UM PAÍS DE POETAS
Cada professor tem a sua opinião quanto às causas do
insucesso da matemática. Pedro Rangel, professor de Domingos,
aponta como factores negativos «o mito de que a disciplina é
difícil, quando até os pais desculpam os filhos, dizendo-lhes
que também eles eram maus a matemática». «A
tendência para tentar mecanizar a matemática em vez de
a compreender. Não vale a pena memorizar a matemática,
é preciso é pensá-la», explica. O professor
defende ainda a existência de um exame intermédio, antes
do 12º ano: «Duas horas não podem avaliar doze anos de
aprendizagem».
Na opinião de Adérito Araújo, professor de Matemática
da Universidade de Coimbra, «o problema começa cedo,
no ensino básico, porque no nosso país acha-se sempre
que os melhores professores devem ensinar na universidade...»
Contra isso, Adérito defende que todos os professores deviam
ser avaliados: «O mau professor de Matemática sente-se
mais do que noutra disciplina». Ercília Sousa e Joana
Teles lembram ainda um factor social importante: «Não
é visto com maus olhos não ser bom a matemática.
A ignorância científica é muito mais bem aceite
do que a ignorância literária. Temos uma cultura mais
humanista». Em suma, um país de poetas.
PORTUGAL CANDIDATO A 2007
Em 2007, Portugal pretende
acolher as Olimpíadas Ibero-Americanas. A iniciativa, cujo
custo deverá rondar os 40 mil contos, teria como provável
localização as cidades de Coimbra ou da Figueira da
Foz. Entre outros objectivos, uma das ideias seria dar formação
a professores do ensino básico e secundário, por forma
a melhorar os resultados portugueses nas Olimpíadas.
Justificações à parte, Domingos confessa: os
únicos truques possíveis para ser melhor a matemática
são «interpretar e tentar descodificar». Até
porque ele próprio teve «bons e maus professores de Matemática».
Diz ser bom aluno, mas não estudar muito. E aconselha, a quem
tem dificuldades na disciplina, «estar atento nas aulas e tirar
as dúvidas com o professor ou estudar em casa».
Enquanto o jovem ainda está indeciso entre seguir Matemática
ou Programação Informática, o professor tem esperança
de que Domingos venha a ser «um grande investigador».
Aos alunos, para os incentivar, Pedro Rangel costuma dizer, em jeito
de graça, que Domingos tem gozado umas ricas férias
à conta da disciplina.
Em Setembro do ano passado, foi criada pelo ministro da Educação,
David Justino, uma comissão de emergência para fazer
face aos péssimos resultados da matemática a nível
nacional. Quase um ano volvido, pouco foi feito. E porquê? Porque
a equipa, constituída por doze pessoas das áreas da
física e da matemática e presidida pelo físico
António Manuel Baptista, entrou em divergências com o
ministro. Seis meses depois, o presidente da comissão demitiu-se,
e David Justino tomou o seu lugar.
Segundo Nuno Crato, membro da comissão e da Sociedade Portuguesa
de Matemática, além de professor de Matemática
no Instituto Superior de Economia e Gestão (ISEG), «as
medidas necessárias para resolver o problema da matemática
são muito simples». Então, por que é que
não se põem em prática? Falta de coragem política,
sustenta. No seu entender, seria fundamental resolver os seguintes
problemas: «Os exames, que deveriam existir no 6º e no 9º anos,
para além do do 12º. A formação de professores.
E a existência de um exame de acesso à carreira obrigatório
para todos os docentes, independente das notas de saída da
universidade». Isso nivelaria a qualidade e o nível de
conhecimento. «Simplesmente, todos os professores do secundário
estão contra um exame de acesso à carreira», explica.
«E as universidades, que têm cada vez menos alunos, baixam
cada vez mais as médias de entrada dos cursos».
Fará sentido entrar para um curso de Matemática com
notas inferiores a dez valores? Seria possível, com uma nota
mínima, interromper o ciclo «mau-professor, mau-aluno»?
Há questões com respostas muito pouco matemáticas.Texto
de Katya Delimbeuf
Fotografias de Rui Duarte Silva
O PAÍS COM NOTA NEGATIVA
Não é novidade para ninguém que Portugal tem
lugar cativo nos primeiros lugares a contar do fim dos «rankings»
internacionais de matemática. O Estudo Pisa, o último
realizado que inclui a área da matemática, data do ano
2000 e envolveu 265 mil alunos de 15 anos, em 32 países (28
dos quais membros da OCDE). Foram feitos testes de «papel e
lápis», em duas horas, com ítens de resposta múltipla
e ítens para elaboração de respostas. Analisou-se
a literacia matemática, ou seja, a capacidade de os alunos
reconhecerem e interpretarem problemas matemáticos enquadrados
no nosso mundo.
Nas médias de desempenho, os resultados dos alunos portugueses
foram claramente inferiores à média da OCDE. Enquanto
esta se cifra nos 500, na escala utilizada Portugal fica-se pelos
450 - em 27º lugar, apenas seguido pela Grécia, Luxemburgo,
México e Brasil.
Facto curioso é a diferenciação por género,
que beneficia o sexo masculino: ao contrário do que é
comum - as raparigas são melhores alunas -, em matemática
os rapazes têm um melhor desempenho. É assim em 15 dos
países analisados.
Quanto à repartição por regiões, existem
significativas disparidades em Portugal. Lisboa e Vale do Tejo continua
a ser a zona com melhores resultados, embora também inferiores
à média da OCDE. Nos exames nacionais, em 2003, as notas
cifraram-se em 9,3 valores e 7,4 (1ª e 2ª chamadas). Em 2002 foram
9,5 e 6,2, respectivamente, e em 2001 ficaram-se pelos 7,8 e 6,2.
Dá que pensar.
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Domingos Ramos Lopes
tem 17 anos, vive na Gafanha da Nazaré e confessa que não
estuda muito. «Treinou» durante um mês para as Olimpíadas
de Tóquio
Joana Teles, Ercília Sousa e Adérito
Araújo: os professores de Matemática da Universidade
de Coimbra treinam os alunos portugueses para as Olimpíadas
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