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ÚNICA No. 1769 - 23 Setembro 2006
Matemática de
competição
Quatro atletas portugueses
começam hoje a bater-se por uma medalha, de preferência
ouro, nas Olimpíadas Ibero-Americanas de Matemática,
no Equador, para provarem que os portugueses não têm
de ser maus na disciplina.
Texto de Katya Delimbeuf
Fotografias de António Pedro Ferreira
São miúdos iguais aos outros.
Fazem tudo o que os adolescentes da sua idade fazem: gostam de sair,
de viajar, de navegar na Internet e nem sequer são muito dados
ao estudo. Só que são bons a Matemática. Muito
bons. Mais: Afonso, Filipe e os dois Joões acham-na divertida.
Desafiadora. O segredo do sucesso parece ser encarar a Matemática
como um código a desvendar, e pensá-la, raciocinando.
Como diz um deles, «o fundamental para gostar de Matemática
e ser bom é ter ideias». O que Afonso, 18 anos, quer
dizer, é que «o importante é saber pensar».
Afonso Bandeira, aluno de 12º ano da Escola Secundária de São
Pedro do Sul, perto de Aveiro, é o mais extrovertido dos quatro
portugueses que a partir de hoje se encontram no Equador, com a esperança
de trazer uma medalha de ouro para o país. Seria a primeira.
Afonso já é um veterano destas andanças. Participa
há três anos nas Olimpíadas Internacionais de
Matemática, e arrecadou uma medalha de bronze na competição
que decorreu na Eslovénia, em Julho.
Há 16 anos que Portugal participa nestas Olimpíadas,
mas este ano obteve o seu melhor resultado de sempre: três medalhas
de bronze e uma menção honrosa. João Guerreiro,
de 16 anos, um rapaz lourinho e tímido de Lisboa, do Colégio
Valsassina (a escola mais medalhada nas Olimpíadas de Matemática),
partilha com Afonso o facto de também ter ganho bronze no certame
internacional. Já para Filipe Valeriano, 16 anos, de boné
na cabeça e ar de gaiato, da Escola Doutor João de Brito
Camacho, em Almodôvar, é a estreia numa competição
deste género. João Matias, também de 16, da Escola
José Gomes Ferreira, em Lisboa, completa a representação
lusa.
Quem viu estes rapazes em «estágio intensivo» pré-olimpíadas,
no departamento de Matemática da Universidade de Coimbra, das
10h às 18h, percebe facilmente a sua paixão pela disciplina.
Há muito que estão habituados a deslocar-se à
cidade dos estudantes. Em regra, um fim-de-semana por mês têm
Delfos, o projecto que existe desde 2001 e que foi criado com o objectivo
de «popularizar a Matemática» pela Sociedade Portuguesa
de Matemática. Na verdade, a partir das Olimpíadas Portuguesas,
em Março, o treino passa a ser quinzenal - e os alunos levam
trabalho para casa. A universidade paga-lhes a estadia numa Pousada
da Juventude, alimentação e transportes. Mas eles ainda
conseguem aproveitar um pouco da noite coimbrã - tão
apreciada por Afonso, que quer frequentar a Universidade, tirar um
curso de Matemática e «estudar a sério».
«Também não se podem alongar muito», explica
o professor Amílcar Branquinho, um dos quatro responsáveis
pelo projecto Delfos, «porque às 9h30 de domingo há
teste, até às 12h30». Um horário exigente,
se tivermos em conta que o sábado também foi passado
em roda dos números, com início às 10h da manhã
- as aulas são sempre módulos de duas horas, com os
primeiros 20 minutos de teoria e o restante tempo de resolução
de problemas. No entanto, os miúdos garantem que vão
com gosto e prazer.
São cerca de 30 alunos de todo o país que se deslocam
a Coimbra todos os meses. Tiram apontamentos, resolvem exercícios,
levam testes antigos das Olimpíadas para casa, «textos
que podem ter 30 páginas...» No entanto, os «quatro
olímpicos» não conseguem contabilizar o tempo
de estudo. «Posso estar na praia deitado na toalha e de repente
ter uma ideia», conta Afonso. O pai de João Guerreiro
confirma: «Ele pode estar a ver televisão e a resolver
um problema de Matemática ao mesmo tempo. Mas também
leva o caderno de exercícios para todo o lado, mesmo nas férias,
e em determinada altura lá está a matutar na solução
para determinado problema». Para ele, o investimento de tempo
que o filho faz na Matemática, nomeadamente nas deslocações
a Coimbra, ao fim-de-semana, não o impediu de fazer tudo aquilo
que os outros miúdos da sua idade fazem. «O João
sempre jogou futebol, e agora pratica outra modalidade, musculação.
Na verdade, gere muito bem o tempo dele».
Os quatro são unânimes ao dizer que trabalham «muito
mais para as Olimpíadas do que para as aulas». Como também
acham o programa da disciplina no secundário incomparavelmente
mais simples. Afonso achou o exame nacional de Matemática muito
mais fácil do que a prova internacional - teve 17,5 valores,
porque fez «erros óbvios», admite. E diz que o
que aprendem nas Olimpíadas pouco tem a ver com o programa
do secundário dado na escola. «Aqui ensinam-nos mais
a pensar do que a ter conhecimentos», explica. O professor Amílcar
não é tão taxativo: afirma que, sobretudo, «é
o método de ensino que é completamente diferente do
ministrado no ensino secundário». «Mas os temas
têm pontos de encontro, nos conceitos de base, apesar de também
darmos temas do ensino universitário». E já aconteceu
receberem em Coimbra «alunos brilhantes do secundário
que achamos não devem seguir Matemática. Porque não
gostam de tentar encontrar alternativas nem de ser criativos».
Estes alunos gostam do desafio. «E do facto de não haver
aldrabices», segundo Afonso - o que está certo está
sempre certo. Todos admitem ser bons alunos a Matemática -
e terem pais bons na disciplina. Já lhes aconteceu corrigirem
os professores, mas defendem-nos dizendo que «toda a gente se
engana, e os professores também são humanos».
Depois, há o lado mais simpático das olimpíadas:
as viagens - João e Afonso já foram ao México
e à Eslovénia -, o convívio e os amigos que se
fazem. Por último, em que consiste uma prova das Olimpíadas
de Matemática? «São seis problemas, que valem
sete pontos cada um, divididos por dois dias (4,5 horas em cada dia)».
Como nos treinos do Delfos, a calculadora não é permitida.
Aqui, o único instrumento que pode entrar na sala de teste
é o músculo olímpico, devidamente oleado.
......................
O que é preciso
para ser bom a Matemática?
Segundo Amílcar Branquinho, professor de Matemática
da Universidade de Coimbra:
Não desistir
Saber fazer a ligação entre temas
Ter boa memória
Alguma rotina e disciplina diárias
Para Afonso Bandeira, aluno, a Matemática
resume-se a:
Saber pensar
Ter ideias para raciocinar
Experimentar possibilidades
Estar atento às aulas
Porque tem Portugal tão maus
resultados?
Falta de interesse dos alunos em perceber, maior vontade em decorar
Ensino pouco motivador
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TRINTA alunos do ensino
secundário de todo o país acorrem voluntariamente ao
projecto Delfos, todos os meses
O PROFESSOR (de costas) tira dúvidas com Afonso Bandeira, 18
anos, e Filipe Valeriano, 16, que nunca tira o boné
JOEL, 17 anos, resolve um exercício.As aulas, de 2 horas, têm
sempre 20 minutos de teoria e o resto de prática
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