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ÚNICA No. 1690 - 19 Março 2005
A paixão pelos
bonecos
Uma companhia de marionetas em
Alcobaça teima em manter vivas tradições que
já quase não existem no nosso país. Na S.A. Marionetas,
três pessoas dedicam as suas vidas aos bonecos.
Texto de Katya Delimbeuf
Fotografias de Ana Baião
Nas declarações de IRS
das Finanças, a profissão de marionetista não
existe. É-se «actor». Mas há muito que José
Gil, Jaime Leão e Sofia Vinagre dão vida aos fantoches
que fazem com as suas próprias mãos. Na oficina da companhia,
sediada em Alcobaça, dezenas de marionetas fitam o visitante
de olhos esbugalhados, enquanto outras, ainda corpos de esponja, esperam
a passagem da tesoura, da cola e do pincel para ganhar identidade.
Por ali se encontram o Plouf, a mascote da companhia, os bonecos que
deram vida ao «videoclip» dos The Gift, «Question
of Love», uma mala de robertos, os bonecos do Teatro Tradicional
Português.
José, Jaime e Sofia habituaram-se a correr por gosto - e não
se têm dado mal. A Companhia profissionalizou-se há oito
anos, mas existe desde 1979, quando ainda respondia pelo nome Pequenos
Comediantes de Trapos e Farrapos. Vinte e seis anos de vida dedicada
às marionetas não é façanha comum em Portugal.
Sobretudo porque estes jovens, entre os 36 e os 38 anos, conseguem
viver exclusivamente da actividade. Como é possível?
«Com muita imaginação, itinerância - pelo
país e por festivais internacionais - e espectáculos
vendidos a câmaras e escolas», explica José Gil.
A itinerância - nacional e internacional - é uma das
características da companhia, até como forma de subsistência
e de divulgação. França, Espanha, Reino Unido
e Itália foram alguns dos países onde os três
marcaram presença, onde trocam experiências com marionetistas
de toda a Europa e divulgam as especificidades portuguesas, nomeadamente
o Teatro D. Roberto. Os robertos são bonecos com cabeça
de madeira, pele cor-de-rosa e olhos brancos esbugalhados. É
um teatro «politicamente incorrecto, violento, com uma boa dose
de humor negro, em que acaba tudo à pancada». Os personagens
são sempre os mesmos: o herói (D. Roberto), a Morte,
o Diabo, o Polícia... Alguns dos segredos na manufactura dos
bonecos e no domínio das técnicas, nomeadamente o uso
da palheta, foram transmitidos a José Gil pelo mestre António
Dias, um dos últimos bonecreiros em Portugal. Das cerca de
dez companhias de marionetas existentes no país, só
quatro trabalham com robertos. «O Estado devia pagar-nos por
mantermos estas tradições vivas», afirma José
Gil. Ainda por cima, quando se compara com os apoios que têm
outras companhias de teatro na Europa...
Por cá, o trio de marionetistas percorre o país de Norte
a Sul, fazendo centenas de espectáculos. Todos os anos têm
pelo menos uma produção nova, e eles próprios
escrevem os textos, que adaptam ao tipo de público. «Há
gente de todas as idades: crianças, pessoas mais velhas que
se emocionam muito ao ver os robertos... Parece que estão à
espera que saia o mesmo marionetista da sua infância de trás
do cenário...» A companhia organiza ainda «o único
festival nacional de marionetas». Há sete anos que o
«Marionetas na Cidade» se realiza para, entre outras coisas,
desmistificar a ideia de que os espectáculos se destinam apenas
a crianças.
OLHAR PARA O BONECO
José Gil dedicou toda a sua vida aos bonecos. O primeiro contacto
com as marionetas deu-se no liceu, graças ao incentivo de uma
professora. José fez o primeiro espectáculo aos 12 anos.
Depois, formou um grupo escolar - Pequenos Comediantes de Trapos e
Farrapos - e começou a dar espectáculos em Alcobaça.
Seguiram-se os festivais pelo país. Acabado o liceu, percebeu
que queria fazer vida disto. Aprendeu técnicas, fez mímica,
aperfeiçoou-se, foi andando. Até hoje. Jaime era um
amigo de infância com a mesma paixão pelas marionetas.
No fim do liceu, juntou-se à companhia, ficou.
Sofia foi a última «aquisição», e,
ao contrário dos rapazes, chegou «um pouco por acaso».
Lisboeta, cursou Turismo, foi técnica de bibliotecas, trabalhou
numa empresa de telecomunicações... Até que,
um dia, depois de duas horas parada no trânsito, se fartou.
«Tinha de sair dali, antes que me passasse». Instalou-se
em Alcobaça, onde tem família, e soube que José
e Jaime precisavam de ajuda para criar a associação.
Começou por secretariar, mas, quando o número de espectáculos
disparou, foi preciso mais um par de mãos para manipular as
marionetas. «Todos os dias se fazem coisas diferentes. Não
há monotonia. Mesmo pedir dinheiro ao Estado ou a uma empresa
exige criatividade», diz.
Antes de entrar em cena, os marionetistas aquecem ombros, braços,
mãos... «Então se forem espectáculos com
biombo, nos primeiros cinco minutos não sabes se a tua mão
caiu ou não», graceja Jaime. O que os três sabem
é que, mesmo sem apoios nem prestígio, «o gozo
que tens quando estás em palco supera todas as chatices».
É por isso que vão levando a vida a brincar com o país
que têm, sem se importarem de passar o tempo a olhar para os
bonecos.
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Jaime Leão, Sofia Vinagre e José
Gil formam a S.A. Marionetas, sediada em Alcobaça. A companhia
aposta na itinerância e no teatro tradicional
Cenas do «videoclip» dos The
Gift, «Question of Love», rodado com marionetas da S.A.
É
na oficina da companhia que os bonecos ganham vida
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