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ÚNICA N. 1610 - 6 Setembro 2003
Na corda bamba
São vidas com altos e baixos, a dos maníaco-depressivos.
Os bipolares oscilam entre a euforia e a tristeza.
Texto de
Katya Delimbeuf
Fotografias de Ana Baião
Existe um lado lunar para cada lado solar.
Um lado bom e um lado mau em cada um de nós. Como as máscaras
gregas que simbolizam o teatro, a vida de um maníaco-depressivo
oscila entre cenas de tragédia e de comédia, com episódios
mistos - ou tragicómicos - pelo meio. São dois pólos
de uma mesma fonte de energia, duas faces da mesma moeda, que rodopia
e não se sabe de que lado vai cair. Cara ou coroa. Alegria
ou tristeza. É uma viagem permanente entre o céu e a
terra. Sem pré-aviso, mas que se acentua no início do
Outono e da Primavera.
Manuel Leal (nome fictício), 35 anos, casado há dez,
dois filhos. Engenheiro de formação, abriu recentemente
um negócio por conta própria. É por achar que
existe ainda uma imensa ignorância acerca da doença bipolar
e uma enorme discriminação a nível laboral que
não dá a cara. Com um metro e 80 e a corpulência
própria de um ex-jogador de râguebi, louro, de olhos
verdes, Manuel é afável e muito conversador. É
um relações públicas nato, um sedutor. A sua
vida é uma sucessão de episódios rocambolescos,
dignos de um livro de aventuras ou de contos fantásticos.
Quando começa a sentir aumento do apetite sexual e maior sentimentalismo
já sabe que tem de ter cuidado: está a entrar numa fase
de hipomania. Sempre que tem uma crise - a sua libido fica completamente
alterada -, tenta seduzir todas as mulheres que lhe passam pela frente.
«Aqui na Associação (de Apoio a Doentes Maníaco-Depressivos)
já me conhecem... Sempre que estou em baixo e venho cá
é um desassossego, meto-me com todas». A mulher de Manuel
também sabe que, sempre que o marido tem uma crise de mania,
aparece com uma namorada nova, ou encanta-se por um novo amor. Manuel
garante, no entanto, que a sua mulher compreende e perdoa.
«A doença fez-me olhar para a infidelidade de outra maneira.
Sempre pensei nisso como algo condenável, que implicava mentiras
e um modo de vida com o qual eu não me identifico». Os
episódios de mania obrigaram-no a pensar de outra forma. «As
mulheres corrompem-me. São o meu calcanhar de Aquiles».
Os primeiros sinais da doença manifestaram-se por volta dos
21 anos, mas só muito mais tarde Manuel os conseguiu identificar.
Durante um mês e meio não dormiu. Houve, primeiro, uma
viagem de estudo, «em que notava já um excesso de protagonismo,
de barraqueirismo». A seguir, caiu numa depressão
profunda, que durou seis meses. «Não queria sair da cama,
não sentia energia para nada. Tinha o trabalho final de curso
para fazer e não conseguia escrever uma linha. Tive pensamentos
suicidas. Pensei em atirar-me da varanda». Quando lhe diagnosticaram
a doença, não acreditou. Consultou uma segunda opinião,
que lhe propôs fazer uma litiémia (a medição
dos valores de lítio no sangue) como tira-teimas. Recusou.
Foi neste contexto de crise que conheceu a actual mulher, tinha 25
anos. Começaram a viver juntos. Manuel esteve estável
durante três anos. Casou, teve um filho. A partir daí,
todos os anos tinha episódios de mania: «No Verão,
então, era certo e sabido».
Uma das crises mais significativas deu-se quando fez uma viagem à
Escócia, quando saiu de casa para ir atrás de outra
mulher.
O médico e a esposa ligaram-lhe inúmeras vezes, dizendo-lhe
que estava doente e pedindo-lhe para não viajar. Um amigo de
longa data foi ao aeroporto tentar demovê-lo, mas nada feito.
Chegado a Glasgow, Manuel alugou um carro. Desdobrou o mapa, olhou
e, apesar de não ter a mínima ideia de onde ela estava,
decidiu: estava «ali». Ali, onde o seu olho e o seu dedo
haviam pousado. «Em alturas de mania, uma pessoa sente-se como
um profeta. Fica-se com um comportamento estranho, excessivo, desapropriado...
Eu estava ali em missão, que era encontrar a mulher que amava.
Portanto, tinha a certeza de que iria ter sucesso na minha missão».
Fez-se à estrada. A dada altura, parou o carro e foi para o
campo, vaguear. Começou a chorar de raiva e atirou fora o «walkman»,
o relógio, as calças e os sapatos e ficou em fato-de-banho
e camisa, apesar de chover. Passou por uma casa com jardim, viu umas
cadeiras às riscas, da cor do curso que ambos tinham frequentado,
e pensou: «É aqui que ela vem ter comigo». Quando
deu por ele, tinha nove homens à sua volta, de bastões
na mão. A Polícia não tardou a chegar e a levá-lo
para a esquadra, mas ainda assistiu ao final da sua «meditação
mística». Já em liberdade, convenceu-se que Inês
estaria num hotel: «Estava certo que a Inês lá
iria ter, com os nossos amigos e os nossos pais, e que faríamos
uma grande festa». Quando percebeu que ela não vinha
pediu uma garrafa de vinho, mas não lha deram. Manuel achou
que estavam com má vontade e foi ele próprio buscar
a garrafa. Novamente, surgiram três agentes da Polícia
e escoltaram-no até ao carro. Estava de novo na estrada. Mas
puxou tanto pela viatura que partiu a caixa de velocidades. Então,
sentiu que não estava a conseguir cumprir a sua missão
e telefonou ao pai. Manuel foi resgatado pela assistência em
viagem e ficou em casa do mecânico. Quando ensaiava, com a família
deste, uma cantiga que tinha acabado de ensinar aos miúdos,
Inês bateu à porta. Para Manuel, era o êxtase.
Tinha-a finalmente encontrado! Só que, na verdade, fora ela
a chegar até ele. E só lhe dizia: «Tu estás
doente!»
Foi levado ao aeroporto e metido num avião para Lisboa, depois
de referenciado como tendo «perturbações mentais».
Quando chegou, propuseram-lhe que fosse ao Hospital de Santa Maria,
para ser observado. «Para não chatear ninguém,
anuí». Quando entrou, para ser visto, os amigos acompanharam-no.
«De repente, tinha sete ou oito pessoas a tentarem agarrar-me».
Distribuiu socos e pontapés, e um médico teve de ser
suturado. Esteve internado três semanas.
Admite que é difícil um bipolar ter uma vida emocional
e familiar normal se não tiver o apoio e a compreensão
dos que lhe estão próximos. E que, também na
vida laboral, não é fácil assumir a doença.
«Tive inúmeras histórias de ascensão meteórica
e queda. No último emprego, contei à chefe que era bipolar
e fui para a prateleira».
Garante que os bipolares são pessoas muito ricas afectivamente.
Há mais de dois anos que não tem crises.
«FUI SEMPRE HIPERACTIVA»
Traz o símbolo da Associação na lapela, pulseiras
e anéis vários, um colar de madeira. Percebe-se pelo
tom de voz que a mulher, 53 anos, discurso acelerado, é de
convicções fortes. Divorciada, mãe de um filho
biológico e de «uma filha adoptiva», fumadora inveterada,
Lucília Lourenço sabe que tem mania-depressão
há oito anos. Professora na Escola Superior de Educação,
acumulou graus: a uma primeira licenciatura em Engenharia Química
adicionou outra em Educação, a sua verdadeira paixão,
um mestrado na mesma área e um princípio de doutoramento,
que uma depressão encurtou. Saiu da última há
escassos três meses. Os resquícios disso são,
aliás, evidentes ao longo da conversa: emociona-se várias
vezes, sem ela própria perceber porquê.
Atribui o facto a estar «um bocadinho acima da média,
em hipomania». Desde o diagnóstico, em 1995, que as depressões
se sucedem com cada vez menor tempo de intervalo e maior duração.
Lucília teme que a tendência seja para piorar. É
bipolar II, ou seja, as suas crises mais graves são as depressivas.
«Fui sempre hiperactiva, tive sempre uma produção
intelectual elevadíssima, muita resistência física...
Nunca vivi o patamar». Nos tempos da universidade, «fazia
trabalho de massa, à noite, a distribuir jornais aos operários,
e no dia seguinte trabalhava». Era militante na área
sindical e partidária. Pertenceu à UDP e ao PC (Reconstruído).
A primeira manifestação da doença deu-se em 1973
- 22 anos antes do diagnóstico. Numa pós-graduação
em inglês, ela, que percebia e falava fluentemente a língua,
de repente, deixou de entender aquilo que o professor dizia. Lucília
não percebeu - mas não ligou. Dez anos mais tarde, decidiu
fazer o mestrado - também em inglês. Um ano antes, tinha-se
separado do marido, após seis anos de vivência e com
um filho de cinco. «Com a separação, perdi o meu
porto de abrigo».
Em 1983, Lucília começa o mestrado. De início,
correu bem, mas o inglês, achava ela, começava a baralhá-la
outra vez. «Não conseguia falar. Saía das aulas
com uma enorme sensação de sufoco, com a garganta inchada»,
recorda, exasperada. «Passei todo o mestrado doente».
Lucília não disse uma palavra na sala de aulas, do princípio
ao fim do curso. Quando chegou a altura de fazer a tese, quis desistir
- mas acabou por fazê-la e tudo correu bem. Atribuiu os bloqueios
com o inglês a cansaço e não pensou mais no assunto.
No ano seguinte, foi dar aulas para Beja. «Durante esse período,
senti-me diminuída intelectualmente - outro sintoma da doença.
Não produzia nada de novo... Dizia que tinha areia na cabeça».
Seguiu-se a depressão. Teve a primeira crise, física
e intelectual, em Janeiro de 90. Recorda, sobretudo, a «incapacidade
de poder de escolha: era a minha empregada que me ajudava a vestir,
que me escolhia a roupa, até a cor das cuecas. Mas ainda sabia
tomar banho e lavar os dentes, coisa que, noutras crises, não
aconteceu». Lembra ainda «a falta de sentido de orientação,
a falta de sentido de decisão, sobretudo». Não
tinha força anímica para nada, sentia-se incapaz de
tudo. Um dia, a seguir às aulas, entrou no carro e não
conseguiu lembrar-se do caminho para casa.
Deixou de ter vida social. «Os amigos, só precisei deles
a partir dessa altura. E não os tive». Esteve todo o
ano de 90 com depressão. Em Maio de 91, volta a estar «em
cima». Em Junho de 94, tem «a primeira crise a sério».
Treze meses deprimida, de atestado médico. Foi uma amiga, ex-alcoólica,
que desconfiou que se pudesse tratar de mania-depressão. Lucília
nunca tinha ouvido falar na doença. «Há dez anos,
ninguém sabia o que era a doença bipolar. Nem hoje,
ainda, os médicos sabem bem». Actualmente, toma cinco
comprimidos, todos os dias. No ano passado, pela primeira vez, fez
electrochoques, «porque já estava em depressão
há seis meses e não havia vislumbre de melhoras».
Apesar de todas as depressões, Lucília considera que
tem muita alegria de viver. «A minha vida nunca foi igual à
das outras pessoas. Sempre fui diferente. E sempre tive imenso orgulho
nisso. Mas, ultimamente, essa diferença tem-me dado água
pela barba. Acho que Deus Nosso Senhor me castigou por isso...»
A NOVA FLORBELA
A gargalhada é sonora, por vezes desconcertante, o que lhe
dá um ar excêntrico, arrebatado. Andreia Casimiro tem
23 anos e é estudante do 5º ano de Serviço Social. Andreia
soube que era bipolar há pouco tempo. A doença foi-lhe
diagnosticada a 27 de Março deste ano. Mas ela já desconfiava.
Foi por achar que tinha tudo para ser feliz e não era que Andreia
começou a suspeitar de que algo se podia estar a passar. «Até
à adolescência, era uma pessoa muito extrovertida. Depois
da morte do meu avô, que se suicidou, mudei radicalmente. Passei
a ser muito mais metida comigo mesma». A partir dos 13 anos,
começou a ter pensamentos suicidas. Nunca contou a ninguém:
«Não queria que ninguém me impedisse, caso eu
tentasse».
«Estar mal» começou no último ano do liceu.
«Durante oito meses, dormia cinco horas por noite, por muito
cansada que estivesse». A primeira crise - a «depressão
major», como lhe chamam - aconteceu no início
da Faculdade. Esteve deprimida nove meses. Mas o problema de Andreia
não era «só» a depressão. É
que se ela «acordava mal, super em baixo», a meio da tarde
já se sentia melhor e «fazia piadas na Faculdade, e ao
fim do dia estava super alegre». Teve mesmo um acidente de automóvel,
«numa noite em que estava muito acelerada. Nem vi o sinal de
STOP», conta, com uma gargalhada curta. O choque foi violento,
mas para ela foi uma risota. O psiquiatra já lhe tinha dito
que não podia conduzir sozinha...
Na verdade, Andreia sofre de ciclotimia - uma variante da bipolaridade
que provoca alterações de humor muito acentuadas num
curto espaço de tempo. Ou seja, num dia, pode passar por todas
as fases, da depressão à euforia. Durante a mania e
a hipomania, fala muito depressa, faz associações rápidas,
é muito alegre, gasta muito dinheiro. «Uma vez, gastei
180 contos numa encomenda de roupa que poucas vezes usei».
A primeira vez que foi a um psiquiatra, fê-lo sem dizer nada
a ninguém da família. Agora, vai lá regularmente
e toma um antidepressivo fraquinho, um regulador de humor, três
vezes ao dia e lítio duas vezes, «metade ao pequeno-almoço,
metade ao jantar». O diagnóstico trouxe-lhe paz. «Para
mim, foi melhor do que não saber... Afinal, já achava
que era um etêzinho que para ali estava, ora bem,
ora mal. O pior, nas depressões, é querer falar e não
conseguir. Querer sorrir e não ser capaz». É isso
que considera ser uma das melhores coisas da Associação,
onde frequenta um grupo de auto-ajuda: «Sei que posso estar
calada sem que ninguém me chateie. É a sensação
de família».
Os pais não se aperceberam imediatamente, mas a partir daí
Andreia começou a escrever poesia. Existe, aliás, uma
elevada incidência de escritores e poetas bipolares - Antero
de Quental, Florbela Espanca, Mário de Sá Carneiro ou
António Nobre. As pessoas não acreditavam que tivesse
sido ela a escrever aqueles poemas. «Às vezes, nem eu!»
Assume ter medo da maternidade, por causa das possibilidades de transmissão
hereditária - afinal, o seu avô era bipolar, e o seu
tio também. Adianta que «sonhar não é fácil»,
mas consegue apontar dois desejos: visitar a sua «terra»,
Moçambique, e publicar um livro de sonetos. Afinal, não
gostava de desmentir o pai, quando ele a trata por «a nova Florbela».
NU A TOCAR DJAMBÉ
Com 45 anos, António é professor de História
no ensino secundário. Casado e com três filhos, foi diagnosticado
há dois anos. Nunca tinha manifestado qualquer sintoma da doença.
Tudo começou por aquilo que julgava ser um simples esgotamento
causado por motivos profissionais. «Senti que não estava
a aguentar o trabalho, do ponto de vista físico e psicológico,
e procurei ajuda. Deram-me Prozac». Quando acabou a medicação,
António começou a sentir um excesso de actividade. «Não
conseguia estar parado. Queria sair». Acusava a falta do antidepressivo.
Na fase mais aguda, acabou por ser internado no hospital, onde ficou
quase um mês. Foi-lhe diagnosticado o distúrbio bipolar.
A princípio, não aceitou. «Acho que ninguém
aceita. Como também não gostei do psiquiatra, não
me convenci». Tomou a medicação durante seis meses.
A dada altura, sentiu que não estava a «render»
no trabalho e deitou tudo fora: lítio, antidepressivos... Não
tomou nada nos quatro meses seguintes. Até que, «numa
noite de copos e cigarrilhas e conversa com um amigo, dentro do carro»,
sentiu-se mal. «Pensei que fosse o coração. Fiquei
aflito. Como ando sempre com djambés e guitarras no carro e
já passava da uma da manhã, comecei a fazer barulho,
na esperança de que alguém me ouvisse e me viesse ajudar».
Sabia que estava perto de uma Câmara Municipal. Passaram pessoas,
mas não pararam. Como ninguém vinha em seu socorro,
António «arrastou-se» para a porta da Câmara
a tocar o seu djambé. Nem assim alguém apareceu. Então,
achou que era preciso tomar medidas mais drásticas - e despiu-se.
Foi só assim, nu e a tocar djambé, que os funcionários
da Câmara o levaram para o interior. No entanto, não
o queriam conduzir ao hospital.
Finalmente, foi visto por um médico, que lhe aconselhou outro
medicamento para a mania-depressão. A reacção
da família é que foi «um bocado difícil».
Agora, a mulher e os filhos vão com ele à Associação,
aos grupos de ajuda. Na escola, António assumiu a doença
perante os colegas e os alunos. Entre os seus pares, sentiu um certo
mal-estar. Por parte dos alunos, teve uma melhor reacção.
Como muitos são adolescentes a passarem pelas crises típicas
deste período, «fartaram-se de fazer perguntas sobre
si próprios».
Quando começa a ter todo o tipo de projectos mirabolantes,
tenta lembrar-se de «um bom provérbio alentejano: se
sentires uma grande vontade de fazer qualquer coisa, senta-te à
sombra de um chaparro e espera que passe». Neste momento, confessa
estar a viver «uma fase mais cinzenta. E quando se está
habituado a pensar em dez projectos à hora, não os ter
é maçador. No fundo, deve ser isso a normalidade.
A maioria das pessoas deve ser assim...»
Uma patologia do humor
A doença bipolar (ou mania-depressão) caracteriza-se
por uma alternância de estados de extrema excitação
com estados de profunda depressão. Pensa-se que o que está
na origem das crises seja uma falha na estabilidade da transmissão
dos impulsos nervosos ao cérebro, o que torna os doentes mais
vulneráveis a stresses físicos ou emocionais. Em regra,
a primeira crise é provocada por um choque emocional forte
uma ruptura afectiva, uma morte, um divórcio...
Os episódios podem ser graves, moderados ou leves e têm
uma duração muito variável. Há pessoas
cujas fases maníacas ou depressivas duram alguns dias, outras
meses. Da mesma forma, umas podem ter uma ou duas crises durante toda
a vida, enquanto outras recaem repetidas vezes no mesmo ano.
Nos períodos de mania, os doentes apresentam sintomas de euforia,
excesso de autoconfiança, optimismo exacerbado, megalomania,
ausência de sono sem que isso provoque fadiga, hiperactividade
física e mental, discurso acelerado, comportamento irresponsável,
gastos excessivos e delírios, nos casos mais graves. Por oposição,
nos períodos de depressão, os sintomas oscilam entre
a tristeza prolongada e uma inexplicável vontade de chorar,
letargia persistente, pessimismo, indiferença, ansiedade, agitação,
dificuldade de concentração, indecisão, desinteresse
pelas actividades que antes davam prazer, dificuldade nos relacionamentos
e pensamentos suicidas.
Tratamento atenua crises
Há dois tipos de bipolares: o «bipolar I» e o «bipolar
II» para além da ciclotimia (ou «ciclos
rápidos»), uma forma mais benigna da doença, em
que se passa pelas várias fases, altas e baixas, no mesmo dia
ou num curto espaço de tempo. No caso dos bipolares I, «as
crises maníacas e as crises depressivas podem ser tão
graves que necessitem de internamento», explica o psiquiatra
José Manuel Jara, especialista da área. «No caso
dos bipolares II, a crise mais grave é a depressiva. Aliás,
é mais fácil a supressão dos episódios
de mania do que o das crises depressivas», afirma. «O
maior problema dos maníaco-depressivos é a elevada taxa
de suicídio que é de 15% durante as alturas
de depressão».
Apesar de não haver cura para a doença, existem formas
de a atenuar, através de tratamento. Utilizam-se antidepressivos
para as crises depressivas e medicamentos neurolépticos antipsicóticos
e estabilizadores de humor para as crises de mania. Os episódios
de crise obrigam muitas vezes a tratamento hospitalar. As mulheres
que queiram engravidar têm de parar imediatamente o tratamento
à base de lítio e não podem amamentar. Sabe-se
que a doença tem uma componente genética e que há
«personalidades mais instáveis ou borderline
que facilitam o surgimento das crises». «Quem tem
um temperamento de tipo afectivo, emotivo, ou hiper-reactivo»
vê aumentar a sua propensão para a mania-depressão,
acredita o psiquiatra. No entanto, defende que «a doença
é mais uma patologia do humor do que dos afectos». Estima-se,
ainda, que exista um factor de hereditariedade: um estudo demonstra
que os filhos de bipolares têm 13% mais riscos de desenvolver
a doença.
A Associação de Apoio a Doentes Maníaco-Depressivos
(ADMD) existe em Portugal desde 1991. Conta com 1704 sócios,
sobretudo mulheres, com elevado grau académico. O presidente,
Delfim Oliveira, é também ele bipolar. A associação
organiza sessões de auto-ajuda, aulas de dança e presta
apoio telefónico, psicossocial e legal em questões como
a discriminação no trabalho.
Bipolares famosos
Estima-se que
cerca de 1% da população portuguesa sofra da doença,
em igual percentagem para homens e mulheres, embora se saiba que muitos
são mal diagnosticados durante anos: em média, um bipolar
apresenta os sintomas durante cerca de 12 anos e meio antes de saber
exactamente o que tem. Existe uma maior prevalência da doença
nas áreas urbanas, que reúnem mais condições
para as depressões: Lisboa está no topo da lista, seguida
do Porto, Coimbra e Alentejo.
É importante frisar que, embora tenham uma perturbação
mental, os doentes bipolares podem levar uma vida normal, desde que
estejam diagnosticados e correctamente medicados. Há ainda,
segundo a maioria dos doentes, muita falta de informação
e preconceito em relação à mania-depressão
o que acaba, não raro, por afectar a sua integração
na sociedade e diminuir a sua qualidade de vida.
É impressionante o número de bipolares famosos, nomeadamente
do mundo das artes, garantem na Associação. Destacando
apenas alguns, podemos citar o pintor Vincent Van Gogh, os escritores
Virginia Woolf, Ernest Hemingway, Samuel Beckett, Scott Fitzgerald
e George Byron, o dramaturgo August Strindbergh, ou os contemporâneos
Peter Gabriel e Eric Clapton, no mundo da música, e Ted Turner,
magnata da televisão. Por terras lusas, há sobretudo
registo de escritores: Florbela Espanca, Antero de Quental e Mário
de Sá-Carneiro são alguns deles. Curiosamente, muitos
suicidaram-se.
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O símbolo do teatro as máscaras
da tragédia e da comédia podia bem ser o dos
maníaco-depressivos. Em vez disso, é o sol e a lua

Há 15 anos que
Manuel Leal sabe que é bipolar. Optimista nato, as crises de
mania (euforia) valeram-lhe episódios hilariantes

Lucília Lourenço
esteve 22 anos por diagnosticar. Da hiperactividade às depressões
persistentes foi um pulo

Andreia Casimiro tem
uma variante da doença: ciclotimia. Pode passar por todas as
fases, altas e baixas, no mesmo dia

António, 45 anos,
descobriu que tinha a doença após um esgotamento, há
dois anos. Neste momento, vive uma «fase cinzenta»

Florbela Espanca

Eric Clapton

Ernest Hemingway

Virginia Woolf
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