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ÚNICA No. 1663 / 11 Setembro 2004
Os operários da
Benetton
Há dois anos que Rita João
e Pedro Ferreira trabalham na Fabrica da Benetton, um laboratório
de criatividade em Treviso, Itália. E coordenam o departamento
de Design Tridimensional.
Textos
de Katya Delimbeuf
Fotografia de João Carlos Santos
A história começa com um
bolo. Ou melhor... Em Setembro de 2001, no âmbito da Experimenta
Design, a Fabrica organizou um «Portfolio Day», um dia
em que quem quisesse podia candidatar-se aos estágios no centro
de desenvolvimento da Benetton, em Treviso, Itália. A Fabrica
é uma espécie de laboratório de criatividade
aplicada, onde cerca de 100 cabecinhas até aos 25 anos carburam
a alta velocidade em várias áreas de criação.
Com sete departamentos - Design Tridimensional, Design Interactivo,
Vídeo, Fotografia, Comunicação Visual, Música
e Escrita -, tem um rigoroso processo de selecção e
gosta de se pautar por duas premissas-base: uma aprendizagem pela
prática e uma abordagem multidisciplinar.
Rita João e Pedro Ferreira, amigos e recém-licenciados
em Arquitectura do Design (pela Faculdade de Arquitectura de Lisboa),
eram assistentes de produção na Bienal. Cada um tinha
na bagagem um ano de Erasmus - ela em Delft, na Holanda, ele em Milão,
Itália. Pedro decidiu apresentar o portefólio, mas Rita
teve pena do organizador, «que ia passar o dia a ver dezenas
de portefólios», e decidiu fazer-lhe «um bolo para
o lanche». A surpresa de Jaime Hayon foi total. E o coordenador
do departamento de Design fixou os autores da brincadeira.
Em Março de 2002, Pedro foi chamado
para fazer um «trial» (a designação comum
para estágio) de duas semanas - e, desta vez, levou o portefólio
da Rita com ele. Como desafio, recebeu um projecto de peso: desenvolver
uma linha de produtos de crianças para a Magis, uma empresa
italiana das mais importantes do sector. Além disso, teria
de apresentar o seu auto-retrato em vídeo. Pedro ficou logo
seduzido pelo ambiente da Fabrica. «Tantas pessoas interessantes
para conhecer, para trabalhar...»
O estágio correu bem e Pedro voltou a ser chamado, passados
cinco meses - desta vez para assinar contrato. Entretanto, Rita foi
contactada para o seu período à experiência. Pediram-lhe
que fizesse uma linha de produtos utilitários, tipo artigos
de papelaria (blocos, agendas, lápis...) para as Fabrica Features
(espaços dedicados à cultura e à comunicação
existentes em diversas cidades), e também deu uma ajuda num
projecto para a Sisley. No fim do estágio, disseram-lhe que
tinham gostado e pediram-lhe para ficar.
Trabalhar na Fabrica não é
para todos. Estagiar lá pode nem ser muito difícil,
mediante portefólio e currículo, mas ser chamado para
assinar contrato não é comum. Estar na Fabrica há
dois anos a coordenar um departamento - o de Design Tridimensional,
como sucede com Rita e Pedro, hoje ambos com 26 anos - é caso
raro. Portugueses, então, foram os primeiros - e, até
agora, os únicos.
As dificuldades começam logo nos critérios de selecção.
Primeiro que tudo, há o factor idade. Só se admitem
candidatos até aos 25 anos - a ideia é descobrir jovens
com talento, de várias áreas, e apostar neles. Mas apesar
de serem todos muitos novos, trabalham como gente grande. O horário
é das 9h às 18h, «embora seja muito raro sair
a essa hora», conta Rita. «É um ritmo muito intensivo
de trabalho». Deles, espera-se que tenham iniciativa, ideias,
que desenvolvam projectos, que colaborem entre departamentos.
Ao todo, são 70 os estudantes
a quem é dada a oportunidade de provar o que valem, num curto
espaço de tempo. Vêm de todo o mundo, da China à
Coreia do Sul, dos EUA ao Canadá, da África do Sul ao
Senegal, e de toda a Europa. Junte-se-lhes quatro coordenadores por
departamento e temos uma centena de mentes esfuziantes a criarem,
debaixo de um mesmo tecto. Foi essa mesma a intenção
na origem da construção da Fabrica, há 10 anos.
Uma antiga villa romana foi reconstruída pelo arquitecto japonês
Tadao Ando (laureado com o prémio Pritzker em 1995), que concebeu
um edifício subterrâneo - uma espécie de arena
com paredes de vidro por onde a luz entra abundantemente. «Todos
os dias há excursões de arquitectos que vêm ver
o edifício. Já estamos habituados a trabalhar com pessoas
à nossa volta a tirar-nos fotografias, a espreitar por cima
do nosso ombro e a ver o nosso trabalho», gracejam os jovens.
FESTAS, «SUSHI»
E BACALHAU
Na Fabrica, a língua franca é o inglês - Pedro
e Rita aprenderam a falar italiano, mas fora das instalações
da Benetton. Com tantos jovens de tantas nacionalidades ali deslocados,
o convívio é inevitável. A seguir ao trabalho,
vai-se até à «osteria» comer e beber, ou
fazem-se festas e jantares em casa de uns e de outros. «Houve
uma altura em que havia tantas festas que a Fabrica convocou uma reunião
geral para dizer que aquilo não podia continuar. Já
havia queixas dos vizinhos, e até advogados ao barulho»,
recordam, a sorrir.
Os estudantes da Fabrica ficam em casas alugadas pela Benetton em
Treviso, vários por apartamento. Rita partilha a casa com um
bósnio e um austríaco. «Um lado bom é que
se aprende a fazer sushi e a cozer massa chinesa e se
divulga o bacalhau à Braz». Também se passam a
conhecer melhor as particularidades de algumas nacionalidades: «Os
japoneses, que aprendem com uma rapidez incrível, o gang
hispânico, que se agrupa muito...»
Com o passar do tempo, o coordenador do departamento de Design Tridimensional,
Jaime Hayon, foi delegando em Rita e Pedro cada vez mais responsabilidades.
«Percebeu que nós trabalhávamos muito bem em conjunto
e que sabíamos gerir todas as etapas do processo», diz
Pedro. Depois, pediu-lhes para coordenar projectos de maior envergadura,
até que os deixou à frente do departamento.
Rita e Pedro reconhecem a sorte que têm
em trabalhar na Fabrica e o prestígio que estão a acumular:
«Sentimos perfeitamente que há empresas e marcas que
nunca nos cederiam uma reunião se não fossemos da Fabrica.
Da mesma forma, a rapidez com que se resolve um problema quando se
pronuncia o nome Benetton é reveladora...»
Se, quando o contrato de ambos terminar em Dezembro deste ano, não
ficarem na Fabrica, os dois jovens gostariam de voltar e trabalhar
com a indústria portuguesa, tentando inovar e ultrapassar a
barreira do «sempre fizemos assim e está muito bem».
Manter os contactos que foram acumulando, nomeadamente em Espanha
e Itália, é outro ponto assente. Como mais-valias da
sua estada, destacam as pessoas com quem se cruzaram, a nível
humano e profissional. «Conhecemos fotógrafos e programadores
que se tornaram nossos amigos, e é óbvio que isso vai
influenciar futuras parcerias», dizem.
Dos projectos que desenvolveram, orgulham-se particularmente de dois:
o da Magis e o «Mail Me» (acessíveis no site www.pedrita.net).
Se regressarem a Portugal, Pedro e Rita terão saudades dos
passeios a Veneza, ali tão perto de Treviso. Mas, por enquanto,
vão provando aos de cá que não é por se
ser novo que não se pode ser bom.
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Rita e Pedro fotografados no espaço da
Benetton no Chiado, em Lisboa. Em Dezembro, acaba o contrato em Itália
e talvez regressem.
Fotografia de FRANCESCO
RADINO / BENETTON
Aspecto exterior da Fabrica, uma obra famosa do arquitecto japonês
Tadao Ando a partir de uma antiga «villa» romana
Alguns projectos de Pedro e Rita: caixas de correio para a BD Ediciones
di Diseño
Interior de loja em Luanda (Ondamais Shop), executado por «e-mail»
e telefone
Porta-especiarias Dedo Bosa
Candeeiro para o restaurante Makalle, em Treviso
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