ÚNICA No. 1764 / 19 Agosto 2006 Mergulho no grande azul Nos últimos anos, parecem ter brotado como cogumelos: mergulhadores, escolas de mergulho, agências que vendem destinos de mergulho... São cada vez mais os adeptos de Jacques Cousteau que se deixaram seduzir por esse universo feito de paz, beleza e azul. Um outro mundo, mesmo ali à mão, abaixo da linha de água. Textos
de Katya Delimbeuf Enchouriçados num fato de neoprene de 7 milímetros, como Uma Thurman em Kill Bill, vogamos ao largo da baía dos Porcos, em Sesimbra, prontos para o nosso primeiro mergulho em alto mar. Colete vestido debaixo do fato, fato de mergulho bem colado ao corpo, carapuço por cima da cabeça por causa do frio que se sente lá em baixo. O mar de Sesimbra está a 18 graus centígrados, mas a 10 metros de profundidade a coisa pia mais fino. Por isso, calçam-se botas de borracha e luvas para aguentar mais tempo no outro mundo. «É normal esta ligeira sensação de asfixia junto ao pescoço?», pergunta Carla, uma das mergulhadoras que também vai ser baptizada na água do mar. «Eu já tinha feito mergulho, mas não me lembrava deste peso todo». Colete, fato e carapuço vestidos,
já «só» falta o cinto de pesos que nos ajudará
a descer (que tem uns bons 10 quilos) e a garrafa de oxigénio
que nos põem às costas (que pesa 16,7 quilos). Para
pessoas não muito pesadas (como é o caso da repórter),
em que o peso dos artefactos quase perfaz metade do seu, a sensação
de aperto do fato em conjugação com o fardo do material
não ajudam ao conforto. Além de precisarmos de ajuda
para nos mantermos de pé (o que não deixa de ser embaraçoso),
o calor que se sente dentro do fato é muito. «Então
é isto o mergulho?» Tanta coisa, tantos olhos brilhantes...
para isto? Concentramo-nos no nosso parceiro de
mergulho (uma das regras de ouro é nunca mergulhar sozinho),
no caso o instrutor João Esteves, que nunca me perde de vista
e me vai guiando debaixo de água. Agora, a minha única
preocupação é ir equalizando, ou seja, apertar
o nariz para tentar que os ouvidos estalem e não doam à
medida que se vai descendo. No regresso à superfície,
só a impressão nos ouvidos - a sensação
é a de estar engarrafada dentro de mim mesma - interfere no
brilho que se traz nos olhos. É assim quase sempre, asseguram
os instrutores da Cipreia, a escola de mergulho que nos levou. De resto, só um estado como o
da paixão explica que um episódio como o do Verão
de 2004 não tenha demovido Miguel um centímetro que
fosse. A manchete do EXPRESSO dava conta do regresso a casa de uma
dezena de mergulhadores que tinham andado perdidos no mar Vermelho.
Miguel era um deles. Após 14 horas à deriva com ondas
de vários metros e «a noção do quão
difícil é ser-se encontrado no mar alto», a primeira
coisa que ele fez no dia seguinte - apesar de desidratado, sem comer
nem dormir há mais de meio dia - foi... mergulhar. Claro. Há três Verões, estava de férias no México com uma amiga que fazia mergulho e decidiu experimentar. «Com água a 30 graus centígrados, corais e peixinhos de todas as cores, foi paixão imediata», conta. Desde então, todas as férias que faz são dedicadas ao mergulho - e diz isto com um sorriso de orelha a orelha. Conheceu o fundo do mar das Honduras, da República Dominicana, de São Tomé, do mar Vermelho, que repetiu por duas vezes, das ilhas Caimão... As próximas férias já estão marcadas: serão no Faial, nos Açores, «para ver atuns, cachalotes, meros». Gostava ainda de ir a Malpelo, no mar da Colômbia, «onde há auto-estradas de tubarões-martelo e a visibilidade pode ser má por haver peixe a mais», graceja, e de «mergulhar na Austrália, dentro de uma jaula, para ver o tubarão-branco». Ele, que já viu tubarões de perto, explica que não se sente medo: «Se aparecer um tubarão pela frente é a felicidade». Confessa que convence meio mundo à volta dele a mergulhar - já converteu sete -, incluindo «obviamente» a namorada, médica, que vai com ele de férias de mergulho para todo o lado. Descreve da seguinte forma aquilo que sente ao descer às profundezas oceânicas: «Entra-se num mundo novo, completamente diferente do que se vê à superfície. A linha de água é uma fronteira para outro mundo, com outro ecosistema, com florestas... É-se convidado num mundo que não é o nosso - e isso é um privilégio». Mas não se pense que o mergulho
é um desporto essencialmente masculino. Como confirma Nuno
Maria, da Cipreia, a escola de mergulho que mais cursos dá
em Portugal, «mulheres e homens estão praticamente equivalentes
neste momento». Que o diga Isabel Ribeiro, mergulhadora há
cerca de dois anos. Aos 50 anos, a professora catedrática do
Instituto Superior Técnico e directora do Instituto de Sistemas
e Robótica, «há 48 anos apaixonada pelo mar»,
decidiu que «não queria morrer sem fazer um curso de
mergulho». Numa ida ao Faial, nos Açores, para acompanhar
um robô submarino a 600 metros de profundidade, viu «coisas
fabulosas». A partir daí, foi tirar o curso e fazer as
primeiras férias de mergulho, no ano passado, no mar Vermelho.
«Foram 20 valores», diz. Este ano, as férias já
estão marcadas; destino: Cabo Verde. Para «mergulhar,
claro». Já não se imagina sem férias de
mergulho pelo menos uma vez por ano. «Faz-me salivar»,
explica. Um facto curioso é que todas as
pessoas do ramo do mergulho - sejam de escolas ou de agências
de viagens que vendem «dive destinations» - são
mergulhadores. Na Cipreia, tanto Nuno Maria como a mulher, Carla,
instrutora, são fervorosos adeptos há anos. Ela mergulha
há 11, ele desde os 16, e ambos fazem férias de mergulho
«duas a três vezes por ano». Já estiveram
na África do Sul, no Príncipe (em São Tomé),
no mar Vermelho, em Roatán (nas Honduras), nos Açores
e na Madeira. Mais: o grupo de amigos conta com 80% de mergulhadores. Vêm de todo o país, essencialmente
de Lisboa, Porto e Faro, têm 30 a 40 anos e uma boa situação
económica, resume Paulo Marques da Silva. Mas há preços
para todas as carteiras - e, ao contrário do que costuma ser
a regra, aqui o mais barato não é o menos bom. «O
mar Vermelho, que pode começar nos 700 euros, é o destino
mais procurado, porque é o melhor mergulho possível»,
garante. «Pelo tipo de fauna, pela flora, pelos corais, pela
relação qualidade/preço, pela média de
profundidade do mar ser de 3000 metros». Na verdade, todos os
mergulhadores vão ao mar Vermelho - e repetem. Fernando, que
se estreou no mergulho nas Maldivas, confirma: «Para mim, tem
de ser pelo menos duas vezes por ano!» Depois, uma viagem a
Cabo Verde sobe facilmente aos 1000 euros, as Maldivas aos 1800 euros,
a África do Sul aos 4000 euros. Todos acreditam firmemente no potencial de «negócio sólido» do mergulho e defendem que esta deve ser uma aposta clara a nível de turismo nacional. «Até porque o turista de mergulho é um turista que interessa. Porque tem consciência ecológica, não estraga e tem poder de compra». E menciona o Plano Estratégico de Turismo, que inclui o turismo subaquático como vertente a desenvolver. Um exemplo disso é o investimento de dois milhões de euros que o Porto Santo, na Madeira, vai fazer para construir um centro de mergulho até 2007. Paulo Marques da Silva não duvida: «O turismo subaquático é a grande meta para passar a outro patamar». Para ele, «daqui a 10 anos, o mergulho deve estar perfeitamente banalizado».
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MERGULHO ao largo de um cabeço de coral, no mar Vermelho
PEIXE-PALHAÇO na anémona onde vive (celebrizado para o mundo como Nemo)
O MERGULHO para ver tubarões é dos mais procurados...
... mas os cardumes de peixes coloridos são sempre um espectáculo: «yellow grunt» nas Bahamas e...
... «anthias» nas Maldivas
AULA de mergulho na piscina
ALGUNS preparativos antes de mergulhar
MIGUEL QUEIRÓS, Isabel Ribeiro e Jorge Correia num mergulho em Sesimbra
OS SÓCIOS do Peixe Voador, agência de «dive destinations» |