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ÚNICA No. 1721 - 22 Outubro 2005
Mães antes do
tempo
São meninas, mas já foram mães. São adolescentes,
mas já têm filhos. Têm rosto de miúdas,
mas histórias de gente grande. Duas gerações
que podiam ser uma só.
Texto de Katya
Delimbeuf
Fotografias de António Pedro Ferreira
As paredes coloridas do lar de
Santo António contrastam com as histórias que lhe percorrem
os corredores. Por trás das cores alegres - o laranja, o «bordeaux»,
o amarelo - há pesadas histórias de pessoas sem idade
para as terem vivido. Só as paredes ouviram algumas das confissões
mais íntimas destas meninas. Muitas vezes são as únicas
testemunhas. Dos segredos, mas também das diabruras, dos cigarros
fumados à pressa e às escondidas das monitoras, dos
encontros e das conversas que fazem parte da sua vida durante os três
anos que estão ali.
Ao cuidado da Casa de Santo António, em Lisboa, uma das instituições
que acolhe grávidas adolescentes sem rede social ou familiar,
encontram-se 19 adolescentes e mulheres entre os 15 e os 22 anos,
e 17 bebés. A mãe mais nova teve o filho aos 11. Face
a estatísticas que consideram pouco fiáveis, as instituições
que estão no terreno garantem que cada vez lhes chegam mais
grávidas ainda menores - e cada vez mais novas.
Patrícia foi mãe quando tinha apenas 12 anos. Esta guineense
bonita, afável e doce, é das mais antigas na Casa de
Santo António. Ela e o filho (Filipe, agora com quatro anos)
foram encaminhados para a instituição pelos professores
da sua escola. A ruptura familiar deu-se quando o tio, em casa de
quem vivia, descobriu que estava grávida. Já levava
quatro meses, mas só então percebeu o que lhe estava
a acontecer. «Eu era muito criança. Tinha falta de informação...
Não sabia que havia métodos contraceptivos. E tinha
sido a primeira vez...» O pai da criança não era
o namorado, foi um relacionamento fortuito. A reacção
dos tios foi péssima. Expulsa de casa, Patrícia foi
morar com uma vizinha, antes de ir parar à Casa de Santo António.
«Enquanto estive grávida, parecia que isso estava a acontecer
com outra pessoa, não comigo. Hoje tenho mais juízo.
Antes não sabia dar amor, não sabia falar. A instituição
e a experiência deram-me isso. Aqui, na Casa, aprendi a fazer
tudo o que tem a ver com o meu filho.»
No entanto, o discurso das jovens sobre a instituição
é contraditório. Queixam-se das regras, dos horários,
da rigidez da disciplina. Mas reconhecem as vantagens da sua existência
e que aquele é um local de aprendizagem. «Estou aqui
porque tenho de estar», diz Patrícia. «Porque tenho
metas, objectivos. Ter uma casa...» Mas agora que os três
anos do projecto estão a chegar ao fim não se sente
preparada para sair da instituição. «O meu filho
está na creche, eu estou a acabar o curso (técnico-profissional).
A casa da minha tia também não tem condições...»
Admite que «na cultura africana, tem-se filhos mais cedo»,
embora reconheça que há «muitas desvantagens em
ser mãe jovem: deixar de fazer a vida que fazia, sair sem preocupações
com a hora de voltar, ir a festas...» Hoje considera serem os
24 anos a idade ideal para ter filhos. Gostava de ter mais um: «Quando
tiver a vida organizada». E de casar, também - «para
que a família se orgulhe de mim», confessa. O que menos
gosta na Casa é de não poder ver televisão quando
quer. Poder ver a novela. O seu sonho é ser cantora. «Cantar
quizomba, em inglês». «Sabes falar inglês?»,
perguntamos. «Eu não, mas invento!»
Momento do lanche, 17 horas. As raparigas esvoaçam em torno
das taças de Chocapic e dos iogurtes. Algumas já foram
buscar os filhos à creche. Outras ostentam a sua gravidez.
Por isso, há duas gerações à mesa.
Há mães mais carinhosas, outras francamente mais ríspidas.
Uma menina pequena de três anos tem um braço engessado,
mesmo assim a mãe pouco lhe liga. Há vidas duras por
aqui e isso sente-se. Na atmosfera, com alguma tensão. Na carência
de afectos.
A seguir é hora do banho dos bebés, momento privilegiado
de intimidade entre mães e filhos. As casas de banho, espaçosas,
têm banheiras pequeninas para os petizes.
Os quartos das jovens, duplos, repartem-se por dois andares. A nível
de instalações, não têm razão de
queixa. Sedeada numa casa apalaçada, inteiramente restaurada
há um ano, a Casa de Santo António tem três andares
com amplos espaços, um refeitório para três dezenas
de pessoas, sala de televisão e quartos de chão de madeira,
com móveis limpos com ar de novos.
O sonho do «Piolho Eléctrico
Sentada em cima da cama, no quarto que partilha com outra colega,
o «Piolho Eléctrico» - como é chamada -
mostra o álbum de fotografias e as medalhas ganhas no atletismo.
«Era atleta de alta competição», garante.
Além disso, tocava clarinete. Tirava o curso de Assistente
Administrativa. Vivia em Santarém. Ao lado da sua cama, no
berço, a pequena Margarida, linda, de olhos azuis, sorri. A
«boneca de trapos» - como os amigos de Santarém
também lhe chamavam - tem 16 anos. Quando engravidou tinha
15. É branca, ao contrário da maioria das outras raparigas.
Cabelo castanho, atado num rabo de cavalo.
Vivia num colégio de meninas em Santarém, outra instituição
para quem, como ela, não tem família nem alternativas.
Esteve nove anos nesse lar. Chegou à Casa de Santo António
há um ano. É uma miúda, com tiques e frases próprias
da tenra idade, mas trata da filha com destreza. Enquanto fala vai-lhe
pondo gotas nasais, porque está constipada. Aparenta um à-vontade
só adquirido pela experiência. Mas não deixa de
ser estranho, aquele quarto com duas camas para duas miúdas
de 16 anos e dois berços. Ali convivem duas gerações
que, com pouco esforço, podiam ser uma só.
É entre uma frase e outra que o «Piolho Eléctrico»
diz, no mesmo tom da frase anterior: «Foi violação».
Solta a declaração com a naturalidade de quem já
se habituou a contar a sua história - e a fazer de conta que
não dói: «A Comissão de Jovens em Risco
perguntou-me se queria fazer um aborto. Eu disse que sim. Mas depois,
quando vi a minha filha na ecografia, com os pezinhos na boca, não
fui capaz. Decidi ficar com ela.» Não se arrepende. Apesar
de garantir que «muda tudo». «Mudam as noites...»
Sabe que da família natural não pode esperar nada. «A
minha mãe era má para mim. Batia-me». Acalenta
o desejo de ser adoptada por um casal de amigos «que mora em
Torres Vedras e prometeu ajudar». Sonha em viver com eles e
com a filha numa casa. Aliás, ter uma casa é o sonho
comum a todas elas.
Yasmin é outra história triste. Ex-toxicodependente
que vivia na rua, não tem família nem rede social. Branca,
de cabelo curto, preto. Tem 16 anos e está grávida de
nove meses. O pai batia-lhe, acorrentava-a, acabou por expulsá-la
de casa. À mãe nunca a conheceu: «Está
em Londres». Viveu durante 15 anos com uma «mãe
adoptiva». Antes de ter abrigo na Casa de Santo António
andou um ano na rua. Toxicodependente, como o namorado, que conheceu
no Bairro das Marianas. Viveu numa fábrica abandonada, em Carcavelos.
A gravidez foi inesperada. «Por um lado, foi bom que tivesse
acontecido porque mudou a minha vida. Saí da droga, saí
da rua, comecei a pensar como adulta.» Ressacou na Casa. Queixa-se
da falta de liberdade na instituição. Gostava de sair
à noite, de vez em quando... «Nós aqui precisamos
de amor e carinho», diz.
De facto, os horários são rígidos na Casa de
Santo António. Às 7 horas é tempo de acordar.
As mães têm de vestir os filhos, que dormem em berços
nos mesmos quartos, arranjar-se e descer para o pequeno-almoço,
servido às 8h. Em seguida têm de levar os filhos à
creche, ao berçário ou ao infantário, consoante
as idades, e ir para as aulas, na escola ou nos cursos técnico-profissionais.
Às 13h é o momento do almoço, às 14h é
o regresso às aulas, ou tempo de formação ou
de explicações. Às 17h lancha-se. Das 17h30 às
18h30 estuda-se e vai-se buscar os filhos. Das 18h30 às 19h
dá-se banho às crianças, e o jantar das crianças.
Às 20h jantam as mães. Das 20h30 às 21h há
laborterapia, onde aprendem diversas tarefas relacionadas com a lida
da casa. Por vezes, das 21h às 22h há acções
de formação - embora, na realidade, seja para muitas
tempo de olhar a televisão - e às 22h todas devem deitar-se.
Uma tal disciplina serve para inculcar nas jovens mães hábitos
de rigor e de organização, capazes de melhor as preparar
para o mundo lá fora. Mas para quem nunca foi obrigada a cumprir
horários, e vem muito habituada à «vida de rua»,
esta rigidez tem sabor a cárcere.
A seguir ao jantar, o objecto de todos os desejos é a televisão.
Quando uma das miúdas põe um CD de música que
lhe gravaram, dão-se passos de dança ao sabor de um
som entre o «hip hop» e o «rap». Uma delas
faz tranças a outra, uma das actividades favoritas na Casa.
Até que alguém põe um filme no DVD, para todas
verem. É uma película de banda desenhada, um musical
com a Barbie por protagonista: A Princesa Aldeã. É então
que todas elas, das calmeironas às mais novas, se sentam no
sofá a sonhar que são princesas.
«O segmento que mais aparece é uma classe social baixa
- económica e culturalmente», explica a directora da
Casa, Mafalda Simões Coelho. O perfil mais comum são
as jovens originárias das comunidades imigrantes, mas transversal
a todas é a família desestruturada, com fracos recursos
económicos e sociais e baixo nível académico.
«São jovens carenciadas, a todos os níveis, especialmente
do ponto de vista emocional», conta a psicóloga da instituição,
Anouchka Canto e Castro. «Vêm com muita falta de colo.
Nós, funcionárias, somos muitas vezes a figura materna,
porque essa, na vida real, normalmente está ausente ou é
disfuncional. Têm uma noção de afectividade muito
distorcida. Para elas, a sexualidade é a única forma
de afecto. Acontece muitas vezes engravidarem para agarrar um
homem. Ou, inconscientemente, para terem alguma coisa delas,
do ponto de vista da posse física», diz a psicóloga
Todos os pais são «ausentes». Embora seja obrigatório
o tribunal determinar a paternidade (já não há
filhos de pais incógnitos), não há um que permaneça
ao lado da mãe.
Bem diferente é o ambiente que se respira na Residência
Temporária de Grávidas Adolescentes, da Ajuda de Mãe,
também em Lisboa. Quer seja pelas instalações,
mais modestas - um 3º andar de uma casa dos anos 50 -, quer na ocupação
do tempo ou das actividades, inexistente além da escola e de
uma ou outra tarefa (como ajudar nas refeições ou lavar
as escadas), nota-se menos a existência de um projecto para
cada menina. Ao contrário da Casa de Santo António,
onde a televisão é um prémio excepcional, aqui
o ecrã está ligado boa parte do dia e as raparigas concentram-se
na sala, único espaço comum.
Samantha é uma autêntica garota. Angolana de 13 anos,
bonita, de tranças, acabou de ter a filha há pouco mais
de um mês: Diana nasceu a 7 de Setembro. Samantha vivia na Damaia,
com a «sogra» - a mãe do namorado -, com quem esteve
durante um ano. Os pais não existem na sua equação
- não fala com a mãe, não se dão. Agora,
o namorado - e pai da criança - passou a ser só «amigo».
«Já não dava», explica. «Como é
que íamos fazer? Eu estou aqui, ele está lá...»
Chegou à Ajuda de Mãe através das «cunhadas»
(as irmãs do ex-namorado), porque elas também lá
andam, na sede. Tem quatro cunhadas à espera de bebé,
com idades entre os 17 e os 19. «No meu bairro é normal
ter-se filhos a partir do 15 anos», admite. «Das seis
irmãs do meu ex-namorado, só uma é que não
está grávida».
Foi a sogra que, aos três meses, descobriu que ela estava de
esperanças quando a viu sair do banho e lhe notou os seios
maiores. «Então, fui ao Ponto Olá Jovem,
na Amadora, fazer análises.» A notícia apanhou-a
de surpresa. Ficou assustada. Não sabia como ia ter a criança,
comprar fraldas... Não tinha condições em casa
da sogra, onde viviam cinco pessoas. O namorado não trabalha:
«Passa a vida a vadiar», diz, com naturalidade. A «sogra»
vive do Rendimento Mínimo de Inserção. Ainda
por cima dissera ao companheiro ter 16 anos, quando na verdade tem
13.
Engravidou «por descuido». «O namorado não
queria usar preservativo», desculpa-se. Não quer mais
filhos. «Ai, custa muito, dói muito», desabafa,
que esteve um dia em trabalho de parto no hospital Amadora-Sintra,
sem epidural - «Eu não quis, não queria ficar
corcunda». Está à espera de saber quando poderá
voltar à escola, visto o ano lectivo já ter começado.
E assim estas residências de acolhimento temporário tendem
a durar anos - primeiro que uma adolescente se autonomize...
Apesar de achar importante existirem casas como esta, a adaptação
de Samantha foi difícil. «Isto é uma seca. Não
há nada para fazer, só ver televisão».
Conclui: «Agora já tenho com que me ocupar... cuidar
da minha filha, que está sempre a chorar!»
É para reencaminhar as mães adolescentes para a escola
ou para um curso técnico-profissional que existe, há
dois anos, o projecto da Escola de Mães, na sede da Ajuda de
Mãe. Funciona ininterruptamente e o tempo de frequência
é decidido em função de estarem a meio do ano
lectivo ou não. Samantha esteve lá um ano, antes de
ter a filha.
Há aulas das mais variadas: desde cuidados materno-infantis,
onde se aprende a dar banho, até gestão doméstica,
passando por Português e Matemática. «São
estes empurrões para concluir a escolaridade, para tentar incluí-las
no mercado de trabalho, que às vezes são decisivos para
darem um salto qualitativo na sua vida e saírem dos seus contextos
de risco», explica Filipa Fernandes, uma das psicólogas
da Ajuda de Mãe.
Mas nem sempre as boas intenções chegam para dar a volta
a um público pouco habituado à disciplina e com queda
para demonstrações de força. Insubordinadas,
algumas parecem não perceber a oportunidade que lhes é
dada. «Para quê estudar?», questiona uma delas.
«Para ir lavar as escadas dos outros? Para isso, mais vale não
estudar. Ainda se desse para arranjar um marido rico... Mas só
há bandidos e pés-rapados!»
Na aula sobre Sexualidade a discussão é animada. «Qual
a diferença entre sexo e amor?», pergunta a psicóloga.
«Sexo podemos fazer com qualquer um, amor só se faz com
quem se gosta!» Diz outra: «Para sexo, basta ter tesão...».
Fala-se de protecção, de preservativos: «Ai, os
preservativos estão muito caros... cinco euros e tal. E os
do centro de saúde são pequenos.» Uma delas diz:
«Para mim acabou. Tenho 15 anos, mas tenho que pensar primeiro
no meu filho. Para mim acabou».
*Para protecção das identidades,
todos os nomes, tanto de mães como de filhos, são fictícios
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Casa de Santo António
Durante muitos anos, a Casa de Santo António foi a única
instituição a dar abrigo a mães solteiras. Foi
fundada em 1931, em Lisboa, por um obstetra da Maternidade Alfredo
da Costa, D. Pedro da Cunha. O médico apercebeu-se da quantidade
de mães solteiras e de quantas delas eram ainda adolescentes.
tendo criado um projecto a que a sua família deu continuidade.
As jovens chegam à instituição encaminhadas pelo
Tribunal de Menores, pela Comissão de Protecção
de Jovens em Risco. Muitas vão contrariadas gostavam
de poder ter outro sítio para onde ir. Durante três anos
sujeitam-se a horários e à disciplina. Por isso queixam-se.
Outras, quando saem e tornam a vir, trazem saudades.
O projecto da Casa de Santo António foi pensado para uma estada
de três anos. «O nosso objectivo primeiro é que
aprendam a ser mães», explica Mafalda Simões Coelho,
directora da instituição desde há cinco anos
e neta do fundador.
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Ajuda de Mãe
A instituição existe desde 1991. Até 2004 (dados
mais recentes disponíveis) acolheu 218 mulheres (adolescentes
e adultas) e 250 crianças. A equipa técnica é
constituída por uma assistente social, cinco psicólogas
e duas monitoras na residência de adolescentes. Madalena Teixeira
Duarte, presidente da instituição, é engenheira
agrónoma, mãe de oito filhos. Espera que o trabalho
realizado pela Ajuda de Mãe sirva, ao menos, para a próxima
geração, por influenciar a forma como estas mães
tratam os filhos e aplicam os conhecimentos que lhes são transmitidos
na Escola de Mães.
Madalena Teixeira Duarte considera que «a gravidez adolescente
é um problema educacional». E que se poderia, talvez,
colmatar quando não há educação
dos pais em casa com uma disciplina de Educação
Cívica nas escolas. No seu entender, «a melhoria da vida
das grávidas adolescentes depende sobretudo do apoio, familiar
ou económico, que têm depois do parto». Porque
tudo é mais difícil com um filho nos braços e
«é preciso uma retaguarda muito mais forte».
Também por isso, os técnicos da Ajuda de Mãe
tentam trabalhar uma vertente essencial nesta equação:
a das famílias. Catorze funcionárias deslocam-se regularmente
a casa das jovens. Como costuma dizer, «ser mãe adolescente
não é um problema. O problema é não ter
condições para se ser mãe e adolescente.»
«O primeiro ano é o do parto e dos meses de amamentação,
fundamentais para a relação mãe/filho. O segundo
ano é o dos estudos e de traçar objectivos de vida:
reintegração na escola ou opção por um
curso técnico-profissional. E o terceiro ano é o da
adaptação ao mundo exterior: conseguir um emprego, alugar
uma casa (sempre vista por alguém da instituição)»,
diz a directora.
«Aqui trabalha-se e estuda-se. Não se estuda à
noite porque há uma criança», continua. «A
disciplina é uma das coisas que as miúdas levam daqui.
Nunca estas raparigas foram acordadas às 7h da manhã.
E é difícil dar volta à não-educação
que receberam durante treze ou mais anos de vida. Não se educa
em três anos aquilo que não se educou em 13 ou 14. Por
isso consideram a instituição uma prisão. Mas
quando saem repetem o que aprenderam aqui. E acontece muito saírem
ao fim de três anos, fartas de regras, e baterem à porta
dois meses depois a pedir para voltar».
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Quando a estatística
não é tudo
No terreno, as instituições garantem que cada vez lhes
chegam mais grávidas adolescentes. Filipa Fernandes, psicóloga
da Ajuda de Mãe, com sede em Lisboa, diz: «Em 2004 foram
atendidas 153 mães adolescentes (só em Lisboa). A residência
temporária tem capacidade máxima para sete». Embora
muitas não precisem de internamento, os números falam
por si. «Apesar de haver algumas instituições
concretas de acolhimento de grávidas adolescentes, não
chegam. Sabemos bem disso porque vemos a insuficiência de meios
para responder a todas as mães que nos procuram.»
Não existem muitos dados estatísticos específicos
sobre a gravidez adolescente. O estudo mais completo é da Associação
de Planeamento Familiar, um trabalho da autoria de Otília Roque
com o título Mamãs de Palmo e Meio Gravidez e
Maternidade na Adolescência, que abarca um período de
dez anos, entre 1991 e 2001. Em 1991, nasceram 107 crianças
de mães com menos de 15 anos, e 9748 de mães entre os
15 e os 19. Dez anos depois nasciam 90 crianças de mães
menores de 15 anos e 6783 de mães entre os 15 e os 19. Em 1991,
Portugal continuava a ser o segundo país europeu com a maior
taxa de gravidez entre adolescentes, a seguir à Inglaterra.
Não é evidente a saída para este problema, com
forte ligação às comunidades imigrantes. Quando,
culturalmente, os filhos são vistos como um bem em si, independentemente
das condições materiais existentes para os criar, nem
a família nem a escola conseguem alertar e educar para prevenir
a gravidez adolescente. Nada sendo alterado, dificilmente este fenómeno
tenderá a desaparecer.
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Na creche da Casa de Santo António, em Lisboa, mães
brincam com os seus bebés
Patrícia com o filho, de quatro anos. Foi mãe aos 12
O«Piolho Eléctrico», mãe aos 15, vítima
de violação
Após o banho, uma mãe seca a filha, no quarto onde ambas
dormem com mais outra mãe e os seus bebés.
Duas mães
na varanda do refeitório
O refeitório
Para Maria Furtado, uma das responsáveis da Casa, é
inevitável criar afeição com mães e filhos
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