REVISTAÚNICA Nº 1873 || 20 Setembro 2008

 

Aprender outras coisas
Aulas que apetecem

Há quem escolha preencher o tempo livre - ou a ausência de algo importante na sua vida - com aprendizagem. Seja a dançar o tango, a rir, a tirar um curso de DJ ou a voar de planador. Histórias de quando aprender é um prazer

Textos de Katya Delimbeuf
Fotografias de Alberto Frias

DANÇAR
São 20 horas de domingo à noite n’A Barraca, no Largo de Santos, em Lisboa. Há nove anos que aqui se organizam milongas todas as semanas, noites para dançar tango argentino. A milonga é às 21h30, mas antes há uma aula, para quem quer aprender. Sozinhos ou aos pares, os alunos começam por treinar posições - como colocar o corpo, como o equilibrar, como pôr os pés, como fazer os passos... «Ahora, ’bamos hacer así...», desfia Alejandro Laguna, o professor, um argentino de Buenos Aires. «Uno, dos, trés... O corpo não vai atrás da perna. A ponta do pé aponta sempre o caminho para onde vamos...», continua. Os passos arrastam-se, os pés não se levantam do chão. Pugliese e Disarli ecoam pela sala, semeando as notas fortes e sensuais da música argentina.

«É difícil, não é?», desafia Alejandro. «É muito difícil. Só dança tango quem quer mesmo. Demora-se cerca de quatro anos a dançar como deve ser - com o coração.» E faz o gesto, a mão ao peito. Instrutor de tango há nove anos em Portugal, o também professor na Escola Superior de Dança - a preparar um doutoramento em Som e Movimento - garante que continua a aprender a dançar todos os dias.

A milonga da Barraca é a mais antiga do país, e uma das mais antigas da Europa. Por isso, não é raro aparecerem «tangueros» e «milongueros» directos do aeroporto, ainda com malas... «Aqui aparece um pouco de tudo», explica Alejandro. «Médicos, arquitectos, informáticos, alunos dos 20 aos 35 anos... Mas também há pessoas mais velhas, que vêm às milongas religiosamente, que querem conhecer gente. Porque o tango também é uma dança de sedução...», atira.

Homens e mulheres vão chegando para a milonga. Elas trocam os sapatos pelos saltos-agulha. «É mais fácil dançar tango de saltos», explica-nos Tânia Meneses, estudante de medicina de 21 anos que se deixou seduzir pelo tango há um e desde então nunca mais o largou. «É que esta dança é um permanente desequilíbrio. Fazemos muitos passos em pontas.» Apesar de dançar há um ano, só há cerca de três ou quatro meses se sente mais à vontade. «É difícil dançar bem, mas é um vício», confessa Tânia, que não falha uma aula ao domingo (uma aula avulsa custa €13, quatro são €35), nem a milonga que se segue até à meia-noite. Para ela, não é nada difícil conciliar o curso de medicina com o tango, pelo contrário: «Até sabe bem intervalar com o estudo.». Escolheu a dança argentina porque já tinha experimentado outras, mas não tenciona deixar o tango nunca. «Ao fim de vinte aulas, as pessoas têm melhor postura, melhor equilíbrio. E isto é uma paixão.»

O chão de madeira da pista está todo riscado dos saltos das mulheres, cujas pernas se entrelaçam nas do parceiro e se atiram para trás, de quando em vez. Há pares de todas as idades, e nacionalidades várias. Há quem dance de olhos fechados, para melhor sentir o improviso da coreografia. Ju, como é conhecida no meio, é «tanguera» há nove anos. Com quase 60, bem conservados, vem duas vezes por mês a Lisboa de propósito para dançar. Viaja do Algarve até às milongas todas de Lisboa - sexta no Art’z, sábado no Teatro da Luz e domingo aqui na Barraca. Chega a dançar 12 horas seguidas de tango por fim-de-semana, mas não quer outra coisa. Aprendeu a dança em Lisboa e em São Paulo, mas desde que se mudou para o Algarve, ficou muito triste ao perceber que não havia aulas desta tradição argentina. Por isso, obriga-se a viagens regulares. «O mais difícil no tango é aquilo que não se vê», garante. «Repare que os casais não falam - porque o homem tem muito em que pensar. Tem de sentir a música, o ritmo, ter noção de onde estão os outros casais na pista para não chocarem. O maior segredo no tango é perceber onde estão os pés do outro. E a mulher só brilha se o homem quiser...»

Outro assíduo das milongas é Álvaro Cunha, uma «personagem» na pista de dança. Advogado de 62 anos e «tanguero» há oito, dá ares - pelo bigode fino e pelo charme - de Zorro. Autor de um romance publicado, «Gong», e a escrever outro sobre tango, Álvaro já não se recorda de como chegou à dança argentina, mas lembra-se bem do fascínio que esta sempre exerceu nele. E de tudo o que a dança lhe ensinou: «A história, a cultura e a filosofia por trás do tango, o relacionamento homem /mulher...» Foi no tango, precisamente, que Álvaro conheceu a namorada: Else, uma belga de 32 anos, professora universitária, praticante de tango há dois anos. «Tento devolver ao tango o romance que ele me deu.», confessa Álvaro. «Começámos a dançar tango e nunca mais nos separámos. Até isso esta dança me deu: a pessoa mais importante da minha vida. Se não fosse o tango, nunca nos teríamos conhecido. Por isso, quando não sabemos a que brindar, brindamos sempre ao tango.»

RIR
Para quem passa à porta da sala e se põe à escuta, não é fácil imaginar que ali esteja a decorrer um assunto sério. Uma aula «normal», com professor e alunos. A risota é tal, e o «nonsense» aparente também, que a reacção mais provável é achar que aquele grupo de pessoas é um bando de tontos ou de malucos. No entanto, basta assistir a dez minutos de uma aula de ioga do riso para ficar contagiado... e perceber a dinâmica da coisa. É óbvio que rir faz bem. A tudo: à alma, ao corpo, à cara. Aqui, na Rua dos Correeiros, todas as segundas-feiras há horário marcado para rir. Quem faz garante que a semana se leva muito melhor a seguir.

A aula começa com exercícios simples - expirações, expirações acompanhadas de som, depois de risos, depois de palmas ritmadas, e sempre com uma «frase» a acompanhar, que faz vagamente lembrar o Pai Natal: «Oh oh, ah ah ah!» Treina-se o riso em situações diversas: ensina-se a rir das facturas para pagar; das tarefas domésticas rotineiras que se fazem sem prazer; a rir de nós mesmos; a rir sem motivo. A ideia é que, no quotidiano de cada um, se aprenda a introduzir o riso como elemento frequente, para levar a vida de forma mais alegre. Escrito assim, sem assistir à aula (cada uma custa €10), pode parecer um disparate, mas... resulta. Exemplo de um exercício: professora e alunos deitam-se no chão e o objectivo é que riam sem motivo. O que começa por ser um acto forçado depressa se torna contagiante, e quando se dá por isso estão todos a rir à gargalhada. Cada frase que sai da boca da professora nessa altura - «Ai, a vida é tão difícil...!», «Estamos tão tristes...!» ou «Temos tantos problemas...» - resulta numa desconcertante gargalhada, maior que a anterior... Depois de uma hora de exercícios que terminam sempre da mesma maneira - a rir, claro -, chega-se ao fim da aula com os maxilares e os abdominais a doer de tanta risota.

Sandra Ávila, 38 anos, veio para o ioga do riso «à procura de uma terapia mais imediata, mais física». Encontrou isso aqui, e garante que sai das aulas «mais leve». «Vim em busca de uma forma de lidar com os problemas com um sorriso», resume. E resulta, diz. «Quando me lembro dos exercícios, tenho vontade de rir». Já para Cristina Viegas, há um ano aluna de ioga do riso, esta foi uma maneira de desligar do stresse do quotidiano, e de conseguir, pelo menos durante aquela hora, esquecer todos os problemas. «À nossa volta há tanto negativismo... No dia-a-dia, estamos tão stressados que não nos conseguimos libertar... E dar uma gargalhada parece que deixou de ser tão natural como era...» Aqui, Cristina descobriu uma técnica muito própria para sentir mais alegria na vida e para se manter feliz. «No fundo, isto é uma postura de vida. Que passa por encontrar saúde e bem-estar através de mim».

Também a risoterapeuta Sabrina Tacconi, uma italo-espanhola que trabalhava numa profissão «séria» - o restauro -, assinala facilmente as diferenças na sua vida desde que se formou e que dá aulas de ioga do riso, há dois anos e meio. «Rio-me muito mais, com mais facilidade, e a minha atitude na vida mudou completamente. Não aplico esta ferramenta todos os dias, mas minimizo muito mais os problemas. Tenho mais qualidade de vida interior e menos conflitos comigo mesma», resume. A terapeuta não duvida que «falta riso nesta sociedade», mas lembra que, apesar da fama de cinzentões e saudosistas, «Portugal alinhou no ioga do riso como poucos países europeus. Em pouco tempo, formaram-se 111 líderes de riso.»

Os países na vanguarda são a Alemanha e a Dinamarca, que trabalham com esta terapia há nove anos. A seguir ao país de origem, a Índia, onde o ioga do riso nasceu em 1995, é onde mais se trabalha a ferramenta - sobretudo aplicada às empresas. «Porque trabalhadores mais felizes são trabalhadores mais produtivos, que não adoecem tanto e, portanto, não gastam tanto dinheiro à segurança social...», explica Tacconi. Mas o ioga do riso também poderia aplicar-se a outras áreas - como à escola. «Se fizesse parte do currículo escolar, a qualidade de vida das crianças melhoraria imenso. E a dos pais também», diz, sem sombra de dúvida. Mas se pudesse aplicar a terapia a algum quadrante, Sabrina não hesitaria na escolha: «Adorava fazer uma sessão de ioga do riso no Parlamento. Os políticos precisam imenso de se rir deles próprios.»

DAR MÚSICA
Ser DJ está na moda. A prová-lo, uma série de escolas pelo país apostam em dar cursos a quem os procura. O mundo da noite, «o bichinho da música» e os «cachets» chorudos que os DJ podem receber numa noite atraem alunos a academias como esta, no Parque das Nações, em Lisboa. Pela Dancefloor já passaram, desde 2003, cerca de 1200 alunos, assegura Ricardo Lopes, o responsável, que conta que há uma grande diversidade de clientes. «Primeiro começaram por ser jovens, dos 18 aos 22 anos. Agora a média de idades é mais alta, e até tivemos pessoas com 50 anos.» As profissões vão de modelos, actrizes e figuras da rádio e da televisão - Rita Egídio e Fernando Alvim passaram por ali - a empresários e até «um autarca de Setúbal, com 40 anos». Também há arquitectos, militares e... polícias.

É o caso de Nelson Santos, 32 anos, PSP há 6 - DJ Crow como nome de guerra. Quis fazer o curso porque sempre gostou «do mundo da noite e do mundo da música». «Em casa gostava de criar a minha música com a ajuda de programas, e daí ter procurado esta escola». Acabou as 25 aulas do curso de DJ em Maio, e juntou-lhe o de Produção (os dois custam € 1050, se for só o de DJ custa € 790) - pois acredita ser difícil entrar no mundo do «djing» sem essa ferramenta: «É um meio muito fechado. Ou se tem contactos ou não se tem e nada é fácil». Para mais quando a sua música de eleição não é propriamente comercial. Para o Dj Crow, bom mesmo é «trance melódico», estilo musical de que são arautos DJ Tiesto ou DJ Armin van Bureen, nomes pouco conhecidos em Portugal. Mas defende, «Armin é considerado o melhor DJ do mundo».

Desde que acabou o curso fez um «DJ set» de duas horas numa discoteca, para os amigos. «Os colegas da Polícia acharam piada. Disseram que foi brutal», conta, com orgulho e um sorriso. Comprou material e todos os dias «brinca» com a música. Cria «samples», mistura, produz. O sonho de Nelson «era ir à Holanda, pôr música no White Sensation, a maior festa de ‘trance’ do mundo». Como polícia tenta alhear-se do facto de as drogas estarem associadas ao mundo da noite, mas garante que não hesitaria em interromper um ‘DJ set’ se visse alguém drogar-se à sua frente. É pouco provável que Nelson venha a ganhar, como DJ Vibe, € 50.000 por uma noite de fim-de-ano... mas se conseguisse facturar € 600 ou € 700 por duas horas (o preço actual de tabela), já não seria mau...

VOAR
Os 17 metros e meio de asa do planador já espreitam para fora do hangar, em direcção à pista, na Base Aérea de Sintra. Paulo Ogando, o aluno - 50 anos, director informático de uma conhecida multinacional - está ansioso por fazer mais um voo do curso que está a tirar desde Outubro do ano passado. Porque escolheu o planador, indagamos, essa espécie de pássaro de asas grandes, sem motor, que um avião rebocador larga a meio do voo, para ficar a planar nas correntes térmicas de vento? «Sempre gostei de voar», explica Paulo, olhos azuis claros e semblante tímido. «Comecei por fazer aeromodelismo. Agora, depois dos filhos crescidos, surgiu a oportunidade de tirar o curso e agarrei-a. Porquê o planador? Porque é um dos voos mais puros e mais bonitos que há. E é uma liberdade total que se sente.»

Paulo ainda não tem o «brevet» que lhe permite voar sozinho, mas nem por isso tem menos prazer de cada vez que entra no planador, neste curso que forma pouco mais de uma dezena de alunos por ano. O preço - € 3000 - pode estar entre as razões da escassa procura, a juntar ao facto de nem sempre ser fácil adquirir, ter onde o guardar e estar perto de um local onde se possa pôr um planador a voar. Paulo é ainda um aluno em fase de «pré-largada», o que significa que ainda não voou sozinho, sem o instrutor. Também por isso, ainda não recebeu o tradicional baptismo, que dita que o aluno leve com um balde de água, a que se podem acrescer outros líquidos não identificados, dependendo do humor e da imaginação dos instrutores...

Paulo já fez a parte teórica - quatro fins-de-semana, das 9h às 18h - e está agora em plena parte prática, que inclui um mínimo de 15 horas de voo até ser «largado» e mais dez horas de voo a solo - no mínimo. Acha que vai morrer de medo a primeira vez que for largado, mas também acha que vai «adorar». Do que mais gosta nesta modalidade é da riqueza dos «sentidos» durante o voo. Adora o silêncio e «a paz» lá em cima, apenas acompanhados pelo «barulho do vento», e a fruição do último voo, no fim do dia. Ou a vista num dia de céu limpo. Um dos voos que melhor recorda foi «um pôr-do-sol no Inverno», em que se deixou simplesmente ir e viu tudo: o Sol a alaranjar-se, a vista sobre Sintra, as casinhas lá em baixo...

Não quer isto dizer que voar de planador não tenha dificuldades. Já na pista, com os dois lugares ocupados - Paulo à frente e o instrutor José Barriga atrás -, ambos têm acesso à «manche» que controla a profundidade e os «ailerons» e aos pedais que controlam o leme da direcção. O avião rebocador arranca, puxando o planador por uma corda esticada, até este dar sinal de que pode largá-lo, normalmente a cerca de 500 metros de altitude. Então, o planador está por sua conta, aproveitando as correntes térmicas quentes para subir, até ir perdendo altura, progressivamente. Os voos podem durar desde 15 minutos (a média em Sintra) a uma hora (a média em Évora, onde a temperatura do ar é muito mais elevada e, portanto, a energia maior). A velocidade atingida pode ir dos 65 km/hora aos 250 km/h... Até agora, Paulo já chegou aos 170 km/h. Mas o instrutor ainda brindou os repórteres com umas brincadeiras que chegaram aos 200 km/h e que incluiu uns exemplos de Força G.

Paulo ainda não se cruzou com uma das referências dos pilotos de planadores: as aves de rapina e as cegonhas, que aproveitam as mesmas correntes de ar quente para planar sem precisar de bater as asas... São normalmente os barómetros dos pilotos para quais as melhores correntes a apanhar. Provavelmente, gozam da mesma sensação de liberdade que Paulo tanto aprecia quando está a planar.

 

 

 

 

     

 

HÁ NOVE ANOS QUE O PROFESSOR ALEJANDRO LAGUNA, UM ARGENTINO DE BUENOS AIRES, DÁ AULAS DE TANGO EM PORTUGAL. AQUI AO LADO, COM A ALUNA TÂNIA MENESES, UMA ESTUDANTE DE MEDICINA QUE SE APAIXONOU POR ESTA DANÇA

AS NOITES DE DOMINGO NA BARRACA SÃO SAGRADAS PARA OS AMANTES DO TANGO. HÁ QUEM NÃO FALHE UMA. ÁLVARO CUNHA É UM DELES. «TANGUERO» HÁ 8 ANOS, AGRADECE AO TANGO TUDO O QUE ESTE LHE DEU - ATÉ A NAMORADA

PARA A RISOTEAPEUTA SABRINA TACCONI (À ESQUERDA), RIR É UM ASSUNTO SÉRIO. QUEM PROCURA AS SUAS AULAS, COMO CRISTINA VIEGAS (À DIREITA) VEM LIBERTAR-SE DO STRESSE E APRENDER, POR EXEMPLO, A RIR DAS FACTURAS

MUITOS DOS EXERCÍCIOS CONSISTEM EM COMEÇAR A RIR SEM MOTIVO. QUANDO SE DÁ POR ISSO, POR CONTÁGIO, TODOS RIEM À GARGALHADA. É ENTÃO QUE A TERAPEUTA DIZ: «AI, A VIDA É TÃO DIFÍCIL...!». A RISOTA REBENTA NA SALA, TRAZENDO A CASA ABAIXO

PARA O POLÍCIA NELSON SANTOS - AKA DJ CROW -, TIRAR UM CURSO DE DJ FOI UM PROLONGAMENTO DO SEU GOSTO PELA MÚSICA E PELO UNIVERSO DA NOITE. APESAR DE NÃO SEREM BARATOS, ESTES CURSOS TÊM MUITA PROCURA E ATRAEM UM PÚBLICO DIVERSIFICADO

PAULO OGANDO COMEÇOU O CURSO DE VOO PLANADO EM OUTUBRO PASSADO. DO QUE O DIRECTOR INFORMÁTICO MAIS GOSTA NESTE TIPO DE VOO É DO SILÊNCIO, DA PAZ, DA SENSAÇÃO DE LIBERDADE. SEM MOTOR, O PLANADOR VOA GRAÇAS ÀS CORRENTES TÉRMICAS QUENTES