REVISTAÚNICA Nº 1877 || 18 Outubro 2008

Como divertir-se à grande com €5 por dia

O desafio não era fácil. Como passar um dia bem passado gastando apenas 5 euros? O segredo é combinar atenção e imaginação

Reportagem de Katya Delimbeuf
Fotografias de Ana Baião

Ora bem, vejamos: Champagne? Risca. Massagens? Risca. Roupa de marca? Risca. Uma refeição num bom restaurante? Risca. Jóias? Só se for no chinês... Ok, com 5 euros por dia pode não comer lagosta, mas pode acompanhar a sua cerveja com um pires de tremoços - que há quem considere marisco... E também pode ir a concertos, ver exposições, fazer tai chi chuan, ir à praia, alugar uma bicicleta em Cascais o dia todo, fazer um piquenique, visitar monumentos, ir a museus ao domingo, ou sair à noite sem que isso ultrapasse o orçamento - excluindo refeições. Isto na cada vez mais cara capital do país. Como? Nós explicamos. É que há prazeres simples que ombreiam com programas de luxo... Não acredita? Vai cansar-se com tantas possibilidades.

Sexta-feira
Um belo dia de Outono. Vontade de passear. Saldo curto na conta bancária. Mas não é isso que me vai impedir de me divertir. Pego nos óculos escuros, num livro e no leitor de MP3 e rumo à Estufa Fria. Há quanto tempo não vai lá? Ainda se lembra de como é este oásis lisboeta? Se mora na cidade, um autocarro leva-o ao Marquês de Pombal por € 1,40. Depois, é só subir pelo Parque Eduardo VII, até chegar à Estufa, que foi construída em 1930 em cima de uma nascente. Aceder a esta ilha de paz no meio do caos da capital custa apenas € 1,61 - e, se tiver filhos até aos 12 anos, pode levá-los que o preço é o mesmo.

Mas entremos neste admirável mundo verde, feito de sossego e cheiro a flores, de lagos e do som constante da água a correr, de patos e pavões que se cruzam no nosso caminho. Num dia quente, as sombras das árvores e os banquinhos semeados ao longo do percurso convidam a parar e gozar o silêncio. Um conselho: tire o som do telemóvel e desfrute deste tempo, consigo próprio, com a cara-metade que decidir trazer - ou até com os patos! O local, praticamente sem gente durante a semana, é excelente para ler ou escrever.

Quem gosta de plantas tem ainda mais razões para apreciar a Estufa Fria. O aroma das flores mistura-se, os brincos de princesa alternam com as hortênsias, as cores vivas sucedem-se. Melros esvoaçam à nossa passagem, enquanto nos embrenhamos por escadarias meio escondidas na vegetação que vão dar a novas paisagens e novas estufas. Na Estufa Quente, perca algum tempo junto ao lago dos nenúfares, e não parta sem conhecer os cactos-monstros e as dezenas de exemplares que têm uma sala só para si. Cactos do México, da Namíbia e da Argentina, de Madagáscar e do Sul da Bolívia, com espinhos ou com pêlos macios, desafiam a imaginação.
À saída, depois do tempo de evasão que decidir oferecer-se, pode comprar um gelado (€1,20) ao sr. António Cascão, que trabalha aqui há 35 anos. O sr. António tem pena de ver cada vez menos pessoas a visitar a Estufa. «De há cinco anos para cá, o número de pessoas caiu para metade. Diz que vão para a Expo», arrisca. «Bem sei que a fama do Parque Eduardo VII nem sempre foi a melhor. Mas não há motivos para ter medo. E então este parque infantil é do melhor que há - seguro, só com uma entrada e uma saída, e no meio do verde, sem poluição...»

Depois de saborear um Cornetto à sombra, é tempo de partir para a próxima paragem: a Casa Fernando Pessoa, em Campo de Ourique. Para os amantes das letras, esta é uma proposta irrecusável. Aberta das 10h às 18h, de segunda a sexta-feira (quinta é das 13h às 20h), a casa do nosso poeta dá as boas-vindas a todos quantos quiserem entrar - e gratuitamente. Ver o quarto onde Pessoa viveu de 1920 a 1935, no seu estado original, folhear a sua biblioteca pessoal e consultar alguns dos 1200 exemplares anotados à mão pelo próprio são privilégios raros de que muitos lisboetas ainda não terão usufruído, por falta de tempo ou de informação.

Daqui, desça até ao Chiado, para passear nesta zona nobre da cidade, cheia de «beautiful people», uma babel de línguas, repleta de edifícios históricos. Podia ir de autocarro, mas a pé estica o orçamento e ainda poupa no ginásio.

Apetece-lhe um cafezinho? Entre na Nespresso e prove a especialidade da semana - sem pagar nada. E ainda pode fazer uma piscadela de olho a George Clooney, caso ele faça o seu género. Apetece-lhe ver livros, mas está sempre a queixar-se de que nunca tem tempo? Esta é a sua oportunidade. Na FNAC pode folhear os livros que lhe apetecer, sentar-se a lê-los no recanto de leitura, e ainda ouvir um bom concerto (basta consultar a programação em HYPERLINK "http://www.fnac.pt" www.fnac.pt) ou tropeçar no lançamento de um livro. Depois, pode fazer o mesmo na secção dos discos e ouvir os CD.

De regresso a casa, para retemperar energias - e não menos importante, jantar -, prepare-se para a última experiência «orçamento baixo» do dia: um concerto ao vivo e um número de acrobacia. Tudo isto está à distância de 80 cêntimos (para quem tem o cartão Lisboa Viva, o passe que dá para todos os transportes) e de umas paragens de metro até à estação do Oriente. No metropolitano, o ambiente é bem mais festivo do que no período diurno, quando as pessoas vão para o trabalho.

O destino é o Casino Lisboa, no Parque das Nações, onde todas as noites, às 21h, há um espectáculo de música ao vivo no espaço Arena Lounge, que se repete por volta da meia-noite. Há ainda um número de acrobacia. Na noite em que lá fui, a protagonista era Tina Clay, que executava uma coreografia aérea, enrolando-se e desenrolando-se, ao som da música, numa tira de seda rosa a pender do tecto. Mas hoje à noite, e até segunda-feira dia 20, é a vez de Clara Ghimel, uma «blueswoman» brasileira, ocupar o palco. Depois dela, um DJ passa música electrónica. Se quiser beber algo, fique a saber que a bebida mais barata é uma cerveja (€ 2). Como já esgotei o orçamento, volto para casa. E à boleia de um amigo, preferencialmente, que sai mais barato e é mais agradável...

Sábado
Acordei com vontade de ver o mar. Por isso, decido rumar a Cascais. Com o farnel na mochila, apanho o comboio no Cais do Sodré (€ 1,70, só ida) e passados 40 minutos estou na simpática vila. Assim que saio da estação, a primeira coisa que faço é ir buscar uma BICA. Não, não é beber um café, é ir levantar uma Bicicleta de Cascais de utilização gratuita (BICA). Mediante um documento de identificação, podemos levá-la e andar o dia inteiro com ela, devolvendo-a até às 17h (ao fim-de-semana, agora no horário de Inverno).

Há três sítios onde pode levantar a sua BICA: à saída da estação de comboios de Cascais, na Cidadela, ou na Casa da Guia, no Guincho (tem é de a devolver no mesmo local onde a requisitou). É para lá que vou, montada na bicicleta, na ciclovia Cascais-Guincho, com o mar ao lado.

Chegada ao Guincho, só há uma opção: dar um mergulho. Abençoados os que ainda não se lembraram de privatizar as praias, mantendo grátis um dos maiores prazeres da vida. Ler um livro ao sol e adormecer em cima da areia quente são duas das coisas mais agradáveis... e não têm preço. Como passear pela praia. Ou ver o pôr-do-sol. Já se o quisermos fazer com uma cerveja gelada na mão, não lhe vai custar menos que € 1,5 no Bar do Guincho. A não ser que passe um vendedor pelo areal.

Devolvida a bicicleta, regressamos no comboio para casa. Para as que ainda tiverem coragem, sábado é noite de «Girl’s Night», no Docks, em Alcântara - e, portanto, garantia de entrada livre e de bebidas grátis durante toda a noite. No meu caso, estou moída, e tenho de acordar cedo no dia seguinte: às 10h, vou fazer Tai Chi Chuan para Belém.

Domingo
Domingo pela fresca. Saio de casa com a sensação estranha de não me lembrar da última vez que acordei a esta hora ao fim-de-semana. Mas a frescura e a luz da manhã, como o silêncio da cidade que ainda dorme, agradam-me. Primeiro passo: metro até ao Cais do Sodré (€ 0,80), depois comboio até Belém (€ 1,20).

Eis-nos chegados ao relvado da Torre de Belém. À sombra de uma grande árvore, todos os domingos, das 10h às 12h, há aula de Tai Chi Chuan, para quem quiser juntar-se e exercitar o corpo. As pessoas vão chegando, e seguindo as instruções do professor João Faustino, que hoje, excepcionalmente, substitui Luís Virgílio Cunha, professor de Tai Chi e de Chi Kung. Há dez anos que Luís ali dá aulas gratuitas, para «cada vez mais alunos». «Alguns vêm há anos. São de todas as idades, dos 20 aos 70. Há um grupo que vem todas as semanas», garante. O facto de as aulas serem gratuitas acaba por ser «um serviço que se presta às pessoas, ao mesmo tempo que se divulga a modalidade», considera. «E há quem garanta que sente os efeitos no corpo e na mente até à terça-feira seguinte.»

Domingo é o dia forte das «borlas». Talvez por ser o único de descanso para muita gente, numerosas instituições apostam em actividades gratuitas. No meu caso, quero ficar por Belém e aproveitar para ir aos Jerónimos, cuja entrada é gratuita até às 14h (para crianças até aos 14 anos é grátis todos os dias).

Mas também poderia fazer a visita guiada aos Paços do Concelho, em Lisboa, igualmente todos domingos e sem custo. O edifício que alberga a Câmara de Lisboa, de 1755 - mas reconstruído diversas vezes depois disso -, é um património lindíssimo, que vale a pena conhecer por dentro.
Regressemos aos Jerónimos. Além de ser um exemplar único de arquitectura, tem outras iniciativas gratuitas que vale a pena aproveitar. Basta ir ao sítio do Mosteiro na Internet e espreitar a agenda de actividades para ir assistir a concertos, com o privilégio da acústica do local. Até Dezembro, às 11h da manhã todos os domingos, o projecto «Música ao Domingo de Manhã - Jovens Músicos, Novos Ouvintes» cumpre a função pedagógica de formar um novo público.

Passear pelo claustro ou pelas várias salas do mosteiro é uma experiência quase mágica. Pode passar pela igreja e prestar homenagem a dois grandes vultos da História portuguesa, Luís Vaz de Camões e Vasco da Gama. Sente-se diante do Portal Sul, de João de Castilho, e extasie-se perante tanto génio e talento (há quanto tempo não pára para olhar aquela porta lateral?). E depois, prossiga para um piquenique na relva.

Os relvados de Belém são ideais para recuperar aquela maravilhosa recordação de infância que é... o piquenique. Combine com amigos ou família e traga o cestinho, estenda a toalha, abra o vinho, e mime-se, com vista para o rio. Os melhores relvados são os mais distantes do Museu da Electricidade - quanto mais recatados e longe da confusão, melhor.

As iguarias só dependem da imaginação de cada um. Sandes de pão integral com rosbife e mostarda de Dijon, pão de «pita schwarma» com queijo e fiambre ou carne picada refogada, biscoitos, maçãs ou o que mais apetecer podem integrar a ementa. A sobremesa, claro, só pode ser uma: seria pecado estar em Belém e não comer um pastel. O orçamento pode não dar para comprar meia dúzia, mas 90 cêntimos é quanto basta para saborear aquela massa folhada estaladiça e quentinha.

A seguir, tanto pode organizar uma jogatana de futebol com os amigos como ir espreitar a exposição (das 10h às 18h) de Maria Callas, que - infelizmente - acaba amanhã no Museu da Electricidade e que - adivinhou! - é grátis. Como também pode dar um salto ao Centro Cultural de Belém e ao Museu Berardo, cujas exposições são gratuitas.

Difícil é escolher. Ou vai espreitar os vestidos da diva (do traje que ela usou na Tosca de Franco Zeffirelli à coroa criada por Christian Dior para a produção da Norma na Ópera de Paris, em 1965, passando por cartas que a cantora enviou a Onassis ou a Pasolini); ou vai ver as exposições temporárias do Museu Berardo (aberto das 10h às 19h30), das quais se destacam os Desenhos de Escritores (até 2 de Novembro), que incluem auto-retratos de Baudelaire e de Artaud, desenhos eróticos e esboços de Flaubert, Maupassant, Proust, Verlaine ou André Breton.

Se ainda lhe sobrar energia, pode dar um salto à Galeria 111, no Campo Grande (das 10h às 19h), ou à Feira de Crafts e Design do Jardim da Estrela (todos os domingos, das 9h às 21h), onde pode ver uma imensa variedade de artesanato contemporâneo e os seus simpáticos artífices. Pode fazer origami ou ouvir um concerto de jazz (até ao fim do mês passado, o Pleno Out Jazz, que decorre de Maio a Setembro, garantia concertos de bons artistas, de Carlos Bica a Maria João e Mário Laginha).
No fim destes dias agitados, animados e muito ocupados, percebemos que não faltam iniciativas interessantes e variadas em Lisboa a que as pessoas podem ir, mesmo não estando muito abonadas. Boas notícias, em tempos de crise económica... Basta estar atento e ter imaginação para se conseguir divertir com 5 euros por dia. Mas para bem de todos nós, há uma notícia ainda melhor: é que, apesar de não haver almoços grátis, os maiores prazeres são os que não têm preço.

 

 

 

     

 



A REPÓRTER EM CASCAIS NUMA DAS BICICLETAS DE UTILIZAÇÃO GRATUITA

UM RECANTO DA ESTUFA FRIA

NENÚFARES E TARTARUGAS NUM DOS RECANTOS DA ESTUFA FRIA, EM LISBOA, CUJA ENTRADA CUSTA 1,61 EUROS (GRÁTIS ATÉ AOS 12 ANOS)

O ESPAÇO ARENA LOUNGE, NO CASINO LISBOA, ONDE HÁ ESPECTÁCULOS GRATUITOS TODAS AS NOITES, ÀS 21H E POR VOLTA DA MEIA NOITE

APRECIANDO UM QUADRO DE LEDA CATUNDA NA GALERIA 111, NO CAMPO GRANDE (ABERTA DAS 10H ÀS 19H)



FAZENDO TAI CHI CHUAN NO RELVADO JUNTO À TORRE DE BELÉM, ONDE UM PROFESSOR ORIENTA OS EXERCÍCIOS (AOS DOMINGOS, DAS 10H ÀS 12H)



NO COMBOIO PARA CASCAIS, EM QUE GRANDE PARTE DO PERCURSO É À BEIRA-MAR (O BILHETE CUSTA €1,70)

NOS RELVADOS DE BELÉM, UM PIQUENIQUE COM VISTA PARA O TEJO