VIDAS Nº 1509 29 Setembro 2001

Turismo alternativo

Há agências que vendem viagens diferentes, longe dos circuitos na moda e com a promessa de aventura. É só experimentar.

Texto de Katya Delimbeuf

Em volta, o deserto. Um mar dele. Ou as montanhas, vestidas de branco. Ou uma imensidão de azul, entre água e céu. Por trás o silêncio, o cheiro de um lugar novo, que se tenta inspirar a plenos pulmões, na tentativa de o apreender melhor. Tudo isto organizado por uma agência de viagens? Sem adulterar o espírito da coisa? É verdade. Existe um tipo de turismo, alternativo, que surge agora, cada vez mais em força. Quem o procura quer sobretudo aventuras sem sabor a industrial. Quer viagens com o espírito contrário ao da excursão organizada. As palavras de ordem são: adrenalina, personalização, desafio. Busca-se experiências inesquecíveis, irrepetíveis, intransmissíveis. Mas estará tudo isto à venda, num só pacote?

A jornada começa onde termina a excursão tradicional. Anda-se sobretudo a pé, acampa-se, dorme-se em casas de habitantes locais, para melhor apreender a sua cultura. Privilegiam-se as actividades radicais como o «rafting», o «rappel» ou a canoagem. E troca-se o confortável autocarro com ar condicionado pelo burro, o camelo, o jipe ou o hidroavião. Do Butão à Patagónia, do Quénia à Jordânia, da Tanzânia ao Vietname, passando pela subida do Evereste ou do Kilimanjaro, tudo é possível... E, de preferência, quanto mais diferente — e menos «batido» — melhor. Para os poucos operadores que investiram neste filão, a ideia é apostar em destinos diferentes e em rotas específicas. Tão específicas como levar turistas a cenários de guerra. É o que acontece por exemplo no Vietname, onde milhares de pessoas trocam todos os anos as praias e os coqueiros pela rota de Ho Chi Minh a Cu Chi, onde andam pelos túneis que ligavam as várias zonas de guerra, nos quais os vietcongues se moviam. Fala-se também, à boca pequena, de operadoras clandestinas — norte-americanas — que vão mais longe e colocam mesmo pessoas em cenários reais, de guerra ou de tornados. Mas, como é fácil de imaginar, encontrar o rasto a estas operadoras — se é que a palavra se aplica — é tarefa praticamente impossível.

A oferta de «viagens alternativas» não se fica, no entanto, por aqui. Na Índia, uma agência com esse mesmo nome, criada por Ramesh Jangid em 1986, apresenta pacotes diferentes do habitual. Dá-se aos visitantes a possibilidade de testemunhar e participar no dia-a-dia dos indianos — em particular na vida rural —, de contactar directamente com os habitantes locais e de adquirir uma percepção do modo de vida da população impossível de apreender de outra forma. «Queremos que sintam os sítios em vez de os visitarem, sem pressas nem correrias», garante a Alternative Travels. Os grupos são pequenos, de 6 a 9 pessoas — pratica-se a filosofia do «Small is beautiful» — e os «tours» tão específicos como o de «Observação dos Pássaros» ou a «Expedição de Borboletas».

Em Portugal, a oferta ainda é reduzida. Mas existe. E não há tão pouco tempo como isso. A Rotas do Vento foi fundada há nove anos. É, a par da agência Fim do Mundo (existente há cinco e com cerca de 60 clientes por ano, que se juntam depois a grupos de outros países), a única operadora de viagens «diferentes» no nosso país. Auto-intitula-se «a especialista em viagens de aventura em Portugal» e foi criada por Gonçalo Velez, um alpinista e economista de 43 anos, responsável pela introdução deste tipo de turismo no país, quando ainda «não havia mercado». Experimentou primeiro as sensações destas viagens lá fora e, quando regressou, decidiu fundar a sua agência. É ele próprio quem estabelece os itinerários das suas viagens, depois de os ter testado no terreno. Foi dos primeiros portugueses a subir ao Pik Korjenyevska, no Pamir, a 7104 metros de altitude, ou ao Annapurna, no Nepal, a 8091. É um amante da natureza e das viagens longínquas, mas também um introspectivo, com o ar circunspecto de quem não confia nos outros até que estes lhe dêem provas de serem merecedores. Não é por acaso que uma das características deste tipo de clientes é serem «pessoas que normalmente gostam de viajar sozinhas», diz. Afinal, uma das claras vantagens deste turismo é, sem sombra de dúvida, a personalização. A sensação de estar a fazer uma viagem de sonho sozinho ou com um grupo restrito de amigos, mas com a segurança, por trás, de uma organização que conhece o terreno.

«Parta para a aventura com a confiança de que o planeamento da sua viagem não foi entregue a aventureiros. Embarque numa expedição com guias, cozinheiros e carregadores. A viagem começa onde acaba a estrada», pode ler-se no folheto da Rotas do Vento.

«Viagem de aventura! É o mínimo que se pode dizer quando voltamos a canoa pelo menos quatro vezes... Numa das voltas, perdemos uma das pagaias e os rápidos tiveram de ser descidos de ‘traseiro’, o que não deixou de ser divertido. Num dos dias avistámos uma raposa junto ao acampamento; de noite, lá fez das suas: roeu os sapatos de um dos colegas de viagem», recorda Teresa N., de Almada, que fez o grande raide no Québec. Gonçalo Velez tem a noção de que o público-alvo do seu negócio «é um segmento muito pequeno da população. O cliente típico tem 30 a 40 anos, um nível cultural e económico acima da média, é oriundo sobretudo da Grande Lisboa e do Grande Porto e constituído (espante-se...!) por uma maioria de mulheres». 60 % dos clientes são do sexo feminino, para provar que as mulheres são mais aventureiras que os homens... «Pessoas ousadas com fortes interesses culturais»: é assim que Gonçalo resume o perfil-tipo dos seus clientes.

O alpinista-economista não esconde que, apesar de ser pequeno em termos quantitativos, o negócio pode ser «lucrativo». Afinal, o preço ser «lucrativo». Afinal, o preço de um convívio mais estreito, derivado do número limitado de pessoas que constitui o grupo, e de viagens «taylormade», evidentemente, paga-se. Os passeios são mais dispendiosos que os das agências tradicionais. Na Fim do Mundo, a viagem mais cara custa 800 contos: 23 dias na Patagónia, com 16 noites passadas num hotel simples, sem luxos, quatro noites numa tenda e deslocações em transportes públicos — ou noutros tão diversos como tractores, camelos, camiões ou helicópteros. Na Rotas do Vento, o destino mais caro é o Butão (Reino do Dragão), por ser um país muito fechado, onde só recentemente passou a ser permitida a entrada a estrangeiros. Duas semanas custam 736 contos, com três dias a andar a pé. Mas também há viagens baratas, como a de Marrocos, que custa 142 contos: uma semana — da qual cinco dias a andar a pé — no oásis vulcânico de Saghro. Grau de dificuldade: 2, numa escala de 1 a 3. «Sedentários», «Vigorosos» e «Desportistas»: eis os três graus que classificam a dureza das viagens, o número de horas de marcha — quatro a seis — e a resistência necessária para ultrapassar a prova com sucesso. A Rota de Lhasa (Tibete), por exemplo, o Rio do Perfume (Vietname) ou o Grande Raide no Sul (Marrocos) têm todos um coeficiente de dificuldade de grau 1, mas a Ronda de Annapurna (Nepal) ou a subida do Kilimanjaro já são de grau 3, visto exigirem uma sólida preparação física.

Nem todos estão à altura do grau exigido ou têm a fasquia apropriada na conta bancária. Mas, apesar de não ter muitos clientes, a Fim do Mundo «não procura publicitar o produto, porque este também não é para muitas pessoas». Quem volta, traz um brilho diferente no olhar. Regressa-se «com os olhos e a alma plenos». Afinal, não é toda a gente que se pode gabar de ter atravessado o Antárctico de skis...

     

 

Observação das baleias nos Açores

As dunas do deserto da Tunísia

Um acampamento

Elefantes no Quénia

Vale de Khumbu e Evereste, no Nepal

Imagem de um mosteiro no Butão

Gonçalo Velez, fundador da agência Rotas do Vento