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REVISTA Nº 1521 22 Dezembro 2001
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tristes histórias
Entra-nos em casa desde o princípio do mês,
a tentar domar o botão de uma camisa. Durante dois minutos, sustém-nos a
respiração. O mundo torna-se subitamente silencioso, até que a pessoa
no ecrã consiga realizar a tarefa que nós executamos sem pensar duas
vezes. É um tempo diferente - é o tempo deles. Mas deveria ser também o
nosso, para parar e pensar. Hélder é o primeiro de uma série de doze
rostos que nos vão acompanhar durante um ano, para tentar contrariar a
tendência dos números que colocam Portugal no vergonhoso pódio da
sinistralidade rodoviária a nível mundial. Hélder, Henrique e Teresa são
o rosto visível de uma geração que sofreu as consequências de uma
guerra invisível, que lavra diariamente nas estradas nacionais. São,
ainda, exemplos de coragem, que nos lembram que a vida pode mudar num
instante - mas também, que é possível recomeçar. Os sonhos, os medos e
os anseios de três heróis da vida real. Histórias de sobrevivência.
Texto de Katya
Delimbeuf
Fotografias de António Pedro Ferreira
Hélder
Mestre, 34 anos, técnico informático na Câmara de Lisboa. Há 15 anos,
em Abrantes, numa véspera de feriado, seguia no banco de trás do carro,
com uns amigos. Era de noite e seguiam em excesso de velocidade. O carro
capotou. Hélder caiu por uma ravina. Ficou tetraplégico. Tinha 19 anos.
Já era deficiente quando tirou a carta. É campeão de atletismo e pensa
positivo: «Ganharia alguma coisa em agir de outra forma?»
Traz nos olhos a ternura e nos lábios o sorriso que em pouco tempo
nos conquistam, a contrastar com o semblante grave dos cartazes espalhados
por todo o país. Hélder Mestre tem 34 anos, é técnico informático da
Câmara Municipal de Lisboa. E é tetraplégico. O facto quase parece
acessório, a julgar pela facilidade com que se move, pela boa disposição
com que fala, pelo à-vontade em que nos coloca de imediato. Não fosse a
cadeira de rodas e a falta de mobilidade das mãos...
O encanto é inevitável em relação a esta criatura que, quando
interrogada sobre como consegue manter uma atitude tão positiva,
responde: «Ganharia alguma coisa em agir de outra forma?» O sorriso
terno e a pontinha de timidez desarmam qualquer alma mais empedernida,
perante o homem agradável, educado e divertido que se senta à nossa
frente, vestido com uma camisola do Gil, porque foi voluntário na Expo.
Antes do acidente? Não, depois, que o acidente já foi há 15 anos. «No
século passado», como costuma dizer a brincar.
As barreiras tradicionais não parecem
atingir este campeão de atletismo, que há dez anos conduz um carro
adaptado às suas condições: «Tirei a carta já depois de ficar
deficiente», diz, com naturalidade. Para ele, a palavra deficiente não
representa um estigma; é apenas uma palavra. Na semana passada, ganhou a
Maratona de Lisboa e foi meramente por uma questão de logística que não
participou nos Lisboa e foi meramente por uma questão de logística que não
participou nos Para-Olímpicos. Hélder tem dezenas de prémios em casa. O
atletismo era já uma paixão antiga - desde os oito anos -, e não deixou
que o acidente lhe pusesse um ponto final. Costuma treinar todos os dias,
no Estádio Universitário ou em casa, quando está frio ou chuva. Aí,
corre em cima de um rolo, próprio para o efeito, na sua cadeira de
competição, uma das quatro que tem, e que lhe custou para cima de mil
contos.
Foi graças ao atletismo que Hélder adquiriu a sua invejável força de
braços, muito acima das capacidades normais de um tetraplégico - que tem
os membros superiores afectados, mas não forçosamente imobilizados. É
essa força, também, que torna possível os longos passeios que faz
regularmente. Hélder gosta de pegar em si, num saco com uma garrafa de água,
e sair por aí, «andar a pé» - como ele próprio diz. Chega a dar
passeios de 30 km, para acabar o dia de rastos. Por vezes vai de Benfica
aos Restauradores «a pé» - que é como quem diz de cadeira de rodas.
Segue ao lado dos carros pela estrada, que prefere ao passeio «por ter o
piso mais regular e porque os condutores são mais previsíveis». Mas não
é perigoso? «Não, em regra não; só uma vez é que apanhei um susto
grande com dois autocarros que vinham um atrás do outro. O primeiro
viu-me e desviou-se, mas o segundo não me conseguia ver do ângulo em que
eu estava. Eu lá devo ter feito algum sinal, no entretanto, porque a
situação acabou por se resolver. Também já houve vezes que me espalhei
ao comprido, por culpa minha... Por excesso de velocidade...». E nessa
altura, o que é que faz? «Há sempre alguém que pára e ajuda», diz,
descontraidamente.
O quotidiano, Hélder reparte-o entre o trabalho, das 10h às 20h, e a
casa em Alfragide, onde mora com o irmão e a mãe. Para além do
atletismo e dos passeios, confessa-se «um viciado em Internet», um
amante da leitura e do sol. Trabalha na Câmara há onze anos e explica
que tal aconteceu na sequência do acidente. Foi em Alcoitão que
descobriu a informática, que tirou um curso e que surgiu o convite para
trabalhar ali. Ainda passou três anos na Faculdade de Ciências, a tentar
tirar o curso - onde se cruzou com Henrique, o protagonista do filme de
Janeiro -, mas conciliar aulas e emprego era tarefa impossível. «E a
optar, tinha de ser pelo trabalho, que me garante a subsistência.»
Hélder era ainda um garoto quando
teve o acidente - tinha apenas 19 anos. Por isso não pode dizer que tenha
mudado muito; a personalidade, formou-a depois. 14 de Agosto de 1986 - véspera
de feriado; Hélder seguia viagem com uns amigos do atletismo, no banco de
trás do carro. Tinham ido passear a Abrantes. Era de noite, quando
regressavam do café. Iam por uma estrada secundária, mal iluminada e
sinuosa, nas margens do rio Zêzere, e o condutor pisava no acelerador.
Numa das curvas não conseguiu controlar o carro, que capotou e foi parar
a uma ravina. Hélder foi o único que ficou com lesões graves. No
hospital, diagnosticaram-lhe uma fractura na cervical, nível 6 - na gíria
médica, C6, que significa que deixa de existir sensação do peito para
baixo. Então começou a descida aos infernos. Passou sete meses e meio em
S. José, completamente deitado na horizontal, sem se poder mexer. A cabeça
estava presa a um compasso - dois ferros que faziam tracção no pescoço,
para o manter imóvel. Nesse período perdeu imenso peso. Como não se
mexia, não gastava energia, por isso também não tinha fome. Ouvia rádio,
os amigos vinham visitá-lo, mas nada o distraía. «Em S. José cheguei a
pensar que era a única pessoa naquela situação. Depois, mudaram-me para
outra ala, a maxilo-facial, onde estavam as pessoas que tentam suicidar-se
mas sobrevivem. Aí vi pessoas com metade da cara, com um só olho... e
percebi que, por muito mal que nós estejamos, há sempre quem esteja pior».
Em Alcoitão começou a fase ascendente. Lá, reaprendeu tudo de novo.
Hoje, quando se lhe pergunta quais os sonhos para o futuro, responde
apenas que não quer ter «surpresas desagradáveis». Gostava de ter
filhos - «dois, o habitual» -, mas diz que «quando tiver que acontecer,
será com naturalidade.» Aceitou a campanha «por ser um desafio e por
representar uma causa nobre. Apesar da tendência natural ser a de ficar
no nosso canto.» Aos condutores não deixa nenhuma mensagem em
particular, pois considera que estes já sabem tudo, porque tudo já foi
dito. Só aconselha a que pensem cinco segundos. «De preferência, antes
de ligar a ignição.»
Henrique Figueiras, 33
anos, programador na Faculdade de Ciências de Lisboa. Há doze anos,
vinha de mota de uma festa de aniversário. Um esquecimento — o do
capacete — atirou-o para uma cadeira de rodas e marcou o início de uma
vida diferente. Tinha 21 anos. Tenta encarar a situação da melhor forma
possível, mas confessa: «Nunca se aceita. Tenta-se aceitar»
Os olhos são verdes escuros, expressivos e
enigmáticos, como a figura que aguarda em suspenso, atentamente, o que
vamos dizer. De vez em quando há um ligeiro franzir das sobrancelhas até
perceber o que queremos dele, mas depois da confiança conquistada a
expressão desfaz-se num sorriso, que lhe ilumina toda a cara - e faz
iluminar igualmente a nossa alma naquele instante. Henrique Figueiras,
cara - e faz iluminar igualmente a nossa alma naquele instante. Henrique
Figueiras, 33 anos, programador na Faculdade de Ciências de Lisboa, é o
protagonista do filme da Prevenção e Segurança Rodoviária para o mês
de Janeiro, que pretende alertar para as manobras perigosas como causas de
sinistralidade. Dois minutos, enquanto Henrique descalça os sapatos.
Trabalha na faculdade há um ano e quatro meses, desde que acabou o curso
de Informática que lá tirou. Na escolha da universidade pesaram as
acessibilidades para deficientes motores, que a maioria delas não tem. À
semelhança de Hélder, foi em Alcoitão que começou a programar. Antes
fazia contabilidade. Diz que gosta do emprego, dos colegas e do ambiente
de trabalho. É no edifício C4 que passa os dias, das 9h30 às 19h30, é
lá que almoça, no refeitório do pessoal, e que dá apoio a um grupo de
alunos deficientes. Passa-lhes os apontamentos a computador, ajuda-os no
que precisam e confessa: «O sucesso deles é o meu sucesso.» Henrique
rejeita terminantemente a ideia dos deficientes serem olhados com comiseração
ou de caírem eles próprios nesse mecanismo: «Se não tivermos um
comportamento de coitadinho, desempenhamos a nossa função como qualquer
outra pessoa. É como uma parede de tijolos, todos da mesma cor, uns ao
lado dos outros. E lá no meio há um tijolo preto. Não é igual aos
outros, mas está a fazer a sua função.»
Henrique mora no Saldanha, numa residência
própria para deficientes motores, mas está desejoso de se mudar para a
casa nova, em Carnaxide. Metendo-se no carro adaptado - «a seguir à
cadeira de rodas, é aquilo que nos dá mais independência» -, chega à
Cidade Universitária num instante. À noite, entretém-se a ler ou a ver
televisão, quando não sai com os amigos para jantar ou tomar um copo. A
cumplicidade e o hábito ajudam a derrubar barreiras quando a arquitectura
não o fez e não são dois degraus que o impedem de entrar num bar.
Pega-se na cadeira e já está.
Quando tem tempo, adora apanhar sol e ir ver o mar. Todos os
fins-de-semana vai ao Baleal, «nem que seja para ouvir o barulho das
ondas a bater contra o cais.» Não consegue sair do carro sozinho, mas não
é por isso que se coíbe de pedir ajuda a alguém que passe - e é muito
raro as pessoas recusarem; afinal, a única coisa que têm de fazer é
tirar a cadeira de rodas do porta-bagagens, e depois Henrique transfere-se
para lá. Pratica ainda natação, uma vez por semana, no estádio da
Cidade Universitária. Dentro de água sente-se bem, descobre movimentos
de que não sabia ser capaz. Gosta particularmente de mergulhar de cabeça,
porque lhe dá «uma enorme sensação de liberdade.» Nada de há dois
anos para cá, desde que fez uma operação de neuro-estimulação que lhe
voltou a dar controlo sobre a bexiga e desta forma lhe permitiu ganhar
maior independência: «Depois do acidente, foi a primeira vez que senti
estar a mandar no meu corpo outra vez».
A ideia de poder contribuir para
algo de positivo, ao partilhar a sua experiência, foi o que o fez aceitar
a campanha da Prevenção. Henrique faz um esforço para encarar a situação
da melhor forma possível, mas confessa: «Nunca se aceita. Tenta-se
aceitar. Só que viver contra a situação é viver pior». Foi no dia 10
de Março de 1988, o acidente. Há doze anos. Eram três da tarde e
Henrique vinha duma festa de anos. O irmão da aniversariante tinha
comprado uma mota nova e os dois decidiram fazer uma troca: cada um
experimentaria a mota do outro. Henrique ainda teve o capacete na mão,
mas o tempo estava bom e a distância era curta - pelo que o capacete
ficou para trás. A meio do caminho, viu um carro a sair de uma garagem e
travou a fundo. Caiu, a mota virou e foi bater contra a parede de uma
casa. Na altura ainda deixou que lhe mexessem - não sabia que era suposto
não o fazer. Tinha 21 anos. Foi parar aos cuidados intensivos do Hospital
São José, onde ficou até Janeiro. O diagnóstico era o mesmo do Hélder
e da Teresa, a terceira protagonista da campanha: C6 (fractura na
cervical, nível 6). Esteve em Alcoitão, até Agosto. «O mais difícil
é a saída de lá. Chega-se a casa e pensa-se: e agora, o que é que vou
fazer? Começa-se a olhar em volta. Olhamos para o guarda-fatos e
percebemos que já não chegamos lá. Queremos acender a luz e não alcançamos
o interruptor.» Os tempos que se seguiram foram tudo menos fáceis.
Henrique costuma dizer que «dos doze anos que já passaram desde o
acidente, levei seis a orientar-me e estou há seis orientado». Nos
primeiros anos anda-se à procura de um caminho. «E de poder voltar a
sonhar.»
Lembra-se perfeitamente do momento decisivo que marcou a viragem. Em
Fevereiro de 1994 acordou no hospital sem saber porque lá estava ou há
quanto tempo. Só se recorda de ter sonhos constantes relacionados com a
morte e de acordar com a voz do irmão gémeo a chamá-lo. «Lembro-me de
sonhar que estava com sida e que por isso não valia a pena viver. Mas
depois ouvi a voz do meu irmão a chamar o meu nome. Foi aí que se deu o
clique.» Quando Henrique acordou explicaram-lhe que tinha estado em coma
nos últimos dois meses. Os médicos chegaram a dizer à mãe para não
ter esperanças porque ele não iria sobreviver. Mas a vida trocou-lhe de
novo as voltas e decidiu que ainda não tinha chegado a sua hora. Henrique
acordou com uma imensa hiperactividade, uma sede enorme de recuperar o
tempo perdido. No ano anterior já se tinha candidatado à universidade,
mas sem sucesso. Desta vez, no entanto, não havia nada que o demovesse.
Com 15 dias de estudo fez os exames e entrou para o curso de Informática.
A partir daí a vida tomou um rumo. E novo fôlego.
Para o futuro, Henrique gostava de encontrar a pessoa certa, e ter filhos
- dois pelo menos, que ter quatro irmãos e nove sobrinhos deixa sempre
uma marca. Na família dão-se todos bem - mas Henrique não esconde a
afinidade particular que o une ao seu irmão gémeo, Pedro. «Às vezes as
pessoas viam-no - e julgavam que os milagres aconteciam». Mas alguns
acontecem. Sempre que se consegue recomeçar.
Teresa Sousa, 32 anos,
gestora de tempos numa firma de contabilidade. Na noite de Santo António
de 1992 regressava do trabalho pela Marginal. A noite, a chuva e o excesso
de velocidade ditaram o despiste. O carro caiu no mar, após uma queda de
32 metros. Tinha 23 anos. Considera que não mudou muito desde então.
Apesar da tristeza, Teresa garante: «Dou mais valor à vida»
Por trás dos óculos que lhe toldam o
olhar, esconde-se uma pessoa tímida e sensível, introvertida e com algum
receio do mundo lá fora. Teresa Sousa tem 32 anos, trabalha numa firma de
contabilidade e chega a nossa casa em Fevereiro, quando o filme que incide
sobre os perigos do álcool for para o ar. Nessa altura, o país fará silêncio
por três minutos, até que Teresa consiga abrir uma carta com a ajuda de
uma pequena faca. Uma tarefa que lhe demora uns escassos segundos no
escritório, quando se mune de uma máquina automática pensada para o
efeito.
Aceitou dar a cara «para ajudar os outros, para abanar as pessoas.» Mas
confessa que não tinha noção da dimensão que a campanha iria ter: «Quando
vi, na conferência de imprensa, mais de setenta jornalistas e todas as
televisões, fiquei um bocadinho assustada». Já trabalhava na firma
antes do acidente, há nove anos, mas teve de fazer uma paragem forçada
de dois. Na altura trabalhava em contabilidade, mas isso implicava muitas
viagens e por isso era impossível continuar. Hoje faz gestão de tempos e
secretariado. Garante que os colegas reagiram bem após o desastre - diz
mesmo que «os verdadeiros amigos», encontrou-os aqui. «Porque os amigos
de infância desapareceram, progressivamente. Ao ponto de ter tido três
grandes amigas e hoje não saber de nenhuma. Ou com medo que eu lhes
pedisse alguma coisa, ou por não saberem como lidar com a situação», o
que é certo é que deixaram de estar por perto.
«Agora a Teresa é uma estrela», comentam os colegas ao ver-nos entrar,
à semelhança dos de Hélder e de Henrique. Ali, Teresa passa as tardes,
da hora de almoço até às sete - porque de manhã o pai trabalha e não
tem hipótese de a levar. É com mágoa na voz que diz ter perfeita noção
do que a espera quando os familiares desaparecerem... Teresa tem carta,
mas não conduz. Por isso, é a mais dependente entre os «colegas de
rodagem». O pai vem trazê-la a seguir ao almoço, na sua carrinha; à
noite é a irmã que a vem buscar. Do ambiente de trabalho Teresa garante
ser das coisas que mais gosta. No tempo que passa em casa, de manhã, lê,
navega na Internet, ouve música, de todos os géneros - a não ser
Amália,
«que é muito pesado».
Gosta de passear ao sol, de ver o mar e de estar em sítios com gente e
confusão. Mas o seu programa preferido é ir ao «shopping» com o
sobrinho Francisco - «a pessoa de quem mais gosto no mundo». Francisco
é a palavra mágica que devolve o brilho aos olhos de Teresa. Assim como
as recordações de tudo o que fez com ele: a viagem à Madeira - a
primeira após o acidente - a viagem à Eurodisney, dois anos depois, a
Palma de Maiorca, o ano passado, ou ainda a Ibiza, este ano. «Viajo
sempre com a minha irmã, o meu sobrinho e o meu cunhado. É uma das
minhas grandes paixões, viajar. Palma de Maiorca, por exemplo, é o ideal
para mim: praia, sol e muita gente. Em Ibiza, este ano, fomos a alguns
bares, mas nada até muito tarde, só até às três da manhã...!»
Quando lhe perguntam quais as pequenas vitórias que destaca ao longo
destes anos, responde prontamente: «Voltar a trabalhar. E voltar a
viajar.» Um dos seus sonhos era ir até às Caraíbas, mas sabe que a
viagem, de oito horas, é difícil para uma pessoa nas suas condições.
Enquanto sonha vai olhando as palmeiras e o mar azul que lhe forram o «écran»
do computador, no seu gabinete.
Foi aos 23 anos que teve o acidente. Na noite de Santo António, em 1992,
regressava do trabalho com outra pessoa, que ia a conduzir. Iam pela
Marginal, no sentido Lisboa-Cascais, entre a Cruz Quebrada e Caxias. Era
de noite e chovia. «Íamos a 100, em excesso de velocidade», diz. Numa
das curvas, o condutor perdeu o controlo do carro e voaram de uma altura
de 32 metros, até ao mar. O banco de Teresa partiu para trás e ela
deixou imediatamente de sentir o corpo. «Quando me vi dentro de água,
quis mexer-me mas já não consegui». Pediu para não lhe tocarem e ficou
imóvel até à chegada dos bombeiros.
Os 17 dias que se seguiram foram passados nos cuidados intensivos do
Hospital S. Francisco, onde esteve ligada ao ventilador, em perigo de
vida. O diagnóstico denunciava uma fractura na cervical (novamente, C6),
o que determinava que a sensação só passaria a existir do peito para
cima. O Hospital Egas Moniz e o Centro de Recuperação de Alcoitão
seriam a sua casa nos treze meses seguintes. «Nos primeiros seis,
recuperei tudo o que tinha para recuperar. Depois, o mais difícil é a
adaptação à vida. Há dias em que temos vontade de desistir de tudo»,
garante. Afirma ter nos pais «os maiores amigos», mas confessa ter
encontrado o equilíbrio sobretudo nela própria. «O pior de tudo? É a
dependência. E a falta de privacidade.»
Nove anos depois, através de um contacto da terapeuta Eugénia, de
Alcoitão,
surgiu a proposta de participar na campanha da Prevenção e Segurança
Rodoviária. «Ver o filme pela primeira vez foi um grande choque. Conheço
a minhas dificuldades, mas assistir de fora é muito mais difícil.»
Mesmo assim, Teresa arranjou força e não chorou. «Às vezes é mais difícil
aguentarmo-nos. Como é mais fácil morrer do que sofrer.» Se pudesse
pedir um desejo pelo Natal, seria «conseguir manter os pais até muito
tarde. E que a ciência evoluísse.» Nove anos depois, Teresa considera
que não mudou muito. «Só me tornei mais desconfiada. E dou mais valor
à vida.»
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A necessidade
aguça o engenho. Hélder compensou a imobilidade dos dedos recorrendo à
imaginação. Com uma caneta em cada mão e alternando os pulsos, não
falha uma letra do teclado. Ainda por cima escreve depressa!
Henrique, o
rosto de Janeiro da Campanha Rodoviária de Prevenção e Segurança, e o
irmão gémeo, Pedro. Da altura em que esteve em coma, Henrique lembra-se
da voz do irmão a chamar por ele. Foi isso que o fez voltar, diz
Henrique a
votar, nas eleições autárquicas do passado domingo. Em baixo, a
despedir-se de Margarida Lobo de Carvalho, da BBDO - a agência que ganhou
a campanha da prevenção e segurança rodoviária -, que se tornou uma
amiga
Teresa, a
protagonista de Fevereiro da campanha de Prevenção, no trabalho - o sítio
onde mais gosta de estar. «Os verdadeiros amigos, encontrei-os aqui. Os
outros desapareceram, após o acidente»
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