ÚNICA No. 1783 - 30 Dezembro 2006

Borbulhas de 'glamour'

É o único «champagne» com permissão para aparecer nos ecrãs de «O Sexo e a Cidade» ou de «Absolutely Fabulous». Com 230 anos, a Veuve Clicquot aposta em conjugar tradição e modernidade. Cécile Bonnefond, a segunda mulher à frente da casa desde a fundadora, fala pela primeira vez à imprensa portuguesa.


Texto de Katya Delimbeuf
Fotografias de Tiago Miranda
em Reims


Nem água, nem vinho: em Reims só se bebe «champagne» à refeição. O facto pode parecer estranho, mas acaba por ser natural quando se descobre que a capital da região de Champagne, em França, é uma espécie de «dois-em-um». Para além da cidade visível, à superfície, existe outra subterrânea, com 250 km de caves que albergam milhões de garrafas - uma fortuna no subsolo.

Só por conta da Veuve Clicquot - a casa criada a 3 de Janeiro de 1772 pela mão de Philippe Clicquot, e que se havia de tornar referência obrigatória em todo o mundo, quando se fala em «champagne» -, correm 24 km de caves. A antiga mina de giz que serviu de abrigo durante a II Guerra Mundial, 20 metros abaixo do solo, é hoje um espaço de trabalho como outro qualquer. Nas caves, onde estão 15 graus e se sente de imediato a humidade, encontram-se verdadeiras preciosidades, como «champagnes» de 1904, guardados a sete chaves numa salinha gradeada, juntamente com os vintages mais antigos. Garrafas como estas também representam um espólio histórico, testemunho da visão de Philippe, um jovem oriundo de uma família de banqueiros e comerciantes de vinho que, aos 29 anos, revelou apurado sentido comercial. À época, arriscou começar a exportar e em 1780 enviou a primeira remessa de «champagne» para Moscovo, onde teve enorme sucesso. A bebida chegou depois à Finlândia e aos EUA, em 1796. Dois anos mais tarde, Philippe associou-se ao seu filho François, recém-casado com Nicole-Barbe Ponsardin. E seria esta, curiosamente, a futura figura da casa Veuve Clicquot, quando, inesperadamente, o marido faleceu, em 1805, deixando o futuro aparentemente comprometido.

Nesse mesmo ano, ao contrário de todas as expectativas, Nicole-Barbe e o sogro exportaram 110 mil garrafas, o dobro do ano anterior. Qual «Ferreirinha do ‘champagne’», a Veuve (viúva) Clicquot ficaria para sempre associada ao sucesso da casa. Enérgica e determinada como a dama do Douro, tomou as rédeas do negócio e foi responsável pela aquisição de terrenos cuja qualidade das castas ainda hoje determina a excelência do «champagne». Os «terroirs» (vinhas da mesma área, com o mesmo tipo de solo e condições climatéricas, responsáveis pela especificidade de cada vinho), dividem-se em Grand Cru, Premier Cru, e Cru, por ordem decrescente de qualidade. Dos 18 «terroirs» Grand Cru existentes na zona demarcada da Champagne, Madame Clicquot adquiriu 13, o que demonstra bem o seu faro para o negócio. Foi também ela quem produziu o primeiro vintage da empresa e que inventou a «table de remuage» (mesa de rotação das garrafas, processo que constitui o quinto passo no processo de fabrico do «champagne» - ver infografia «Os Sete Passos do Champagne»). Os livros de apontamentos que deixou mostram uma mulher perfeccionista, que tinha como principal objectivo fazer «champagnes» de elevada qualidade. Barbe Nicole Clicquot Ponsardin acabaria por falecer aos 89 anos, em 1866.
Curiosamente, mais de 200 anos depois, é outra mulher de pulso firme a liderar os desígnios da casa. Cécile Bonnefond é uma digna herdeira de Barbe Nicole. Ser a segunda mulher ao leme de uma empresa como a Veuve Clicquot - em 230 anos - é uma responsabilidade que ela reconhece, embora, garanta, não a intimida. Solteira, sem filhos, mantém aos 50 anos um ar jovem e uma energia a toda a prova. Sempre ocupada, é acima de tudo uma mulher de negócios.

À entrada da sede da empresa, vai cumprimentando pelo nome todos os funcionários que passam. Presidente da Casa Veuve Clicquot desde 2001, para ela, «o que este ‘champagne’ vende é uma experiência, um universo, uma cultura. Em suma, um ‘art de vivre’.» Até porque «o ‘champagne’ tem uma dimensão cultural», por ser produto de uma região única no mundo.

Mais tarde, após uns tragos de «rosé» Veuve Clicquot - a última novidade da casa, que em Portugal chegará apenas em 2008 -, a acompanhar um Coq au Vin, há-de reforçar esta especificidade, em jeito de lição: não há «champagne» a não ser que seja francês. Não há «champagne» a não ser na região demarcada de Champagne. De outro modo, pode ser espumante, se estivermos em Portugal, «cavas», se estivermos em Espanha, Asti espumante, se estivermos na região de Piemonte, em Itália. Mas «champagne», só em Champagne. Fica aprendido.

Formada em Marketing na European Business School, Cécile estudou entre Paris, Londres e Frankfurt. Fala fluentemente alemão, inglês e francês e divide o seu tempo entre Paris, Reims e viagens de negócios pelo mundo. Embora tenha feito carreira no sector alimentar (em marcas internacionais como a Kellog’s, a Danone, a Haagen Daaz e a Sara Lee), o «champagne» é o produto mais luxuoso com que trabalhou. Confessa que «é preciso uma vida para conhecer tudo o que há para saber sobre ele». Diz também que este é um bem que implica saber esperar. «Só este ano vamos vender ‘millesimes’ de uma vindima à qual assisti, em 2002», explica.

E o que é preciso para liderar uma casa como a Veuve Clicquot? «Primeiro que tudo, gostar de comer e beber. Depois gostar de luxo. E de saber viver». Segundo afirma, o objectivo da Veuve Clicquot é ser «cada vez mais, uma marca exclusiva, de status». Talvez por isso os valores da casa sejam «elegância e audácia», seguindo o lema: «uma única qualidade, a primeira».

Hoje, a marca aposta em conjugar a tradição de uma casa com 230 anos com modernidade. Isso é particularmente conseguido através do design das garrafas, dos rótulos e do vasilhame, sendo frequentes parcerias com designers, como François Pillet. Por isso também é direccionada a um nicho de mercado mais cosmopolita. Em números, este conceito explica porque vende a Veuve Clicquot 30 mil garrafas em Portugal, e não 200 mil, como sucede com a «irmã mais velha», mais dirigida às massas, a Moet & Chandon (dados da Companhia Comercial de Bebidas Vinalda). Entre os principais mercados da Veuve Clicquot estão os EUA, Reino Unido, Alemanha, Itália, Espanha, Rússia, Japão, Austrália e Brasil. Portugal é um mercado emergente.

Mas nunca é tarde para lhe tomar o gosto. Entre os indefectíveis do «champagne» Veuve Clicquot, destacam-se nomes como Gogol, Tchekov, Jules Verne e Théophile Gautier. Vale ainda a pena recordar Madame Pompadour: «O champagne é a única bebida que deixa a mulher mais bonita depois de o beber.»

VER INFOGRAFIA de Sofia Rosa / EXPRESSO

 

 

 

 

     

 

CÉCILE BONNEFOND é presidente da Veuve Clicquot desde 2001

 

A ANTIGA mina de giz onde são hoje as caves serviu de refúgio na II Guerra Mundial. A cruz vermelha marca o local do hospital de campanha

 

UMA garrafa na escadaria que assinala todos os anos de colheita

 

PIPAS antigas de diferentes ‘terroirs de champagne’ Veuve Clicquot