VIDAS Nº 1506 8 Setembro 2001

O preço da fama

A vida das estrelas está longe de ser um mar de rosas. Esperas, telefonemas e ameaças são apenas alguns dos mimos.

Texto de Katya Delimbeuf

Invasões da privacidade, uma pressão desmedida para se ser não apenas bom mas o melhor, o exame constante da opinião pública, depressões tidas na solidão de uma prisão dourada que dá pelo nome de casa são ideias que não passam pela cabeça das pessoas quando discutem a vida das «estrelas». Regra geral, a maioria associa fama a «glamour» e a muitos zeros na conta bancária. Mas há um outro lado da fama — bem mais negro do que cor-de-rosa — que a maioria desconhece. Quando Madonna se queixa de que o seu estatuto de estrela a impede de dar um simples passeio no parque, alguns acharão que ela está a exagerar.

Portugal está longe de ser o Hollywood da vedeta, mas porque será que raramente nos cruzamos com as nossas figuras públicas? Que preço pagam as nossas estrelas pela perda de parte ou de toda a sua privacidade? O que deixaram de fazer, onde deixaram de ir, desde que são (re)conhecidas? Qual é, afinal, o reverso da medalha?
«Antes de uma pessoa se tornar famosa, não sonha o que lhe vai acontecer.» Sofia Aparício estava longe de saber que a visibilidade que adquiriu iria mudar para sempre a sua vida e o seu dia-a-dia: «Como sou muito tímida, os dois primeiros anos passei-os em casa, com os meus livros, os meus amigos, a minha música. Não foram anos maus, simplesmente foram passados em casa. Incomodava-me que as pessoas olhassem para mim na rua.» Deixou de andar a pé, só anda de carro. Ainda hoje, quando vai sozinha na rua, sempre de «t-shirt» e calças de ganga, anda de cabeça baixa. Aprendeu com o tempo.

Alexandra Lencastre passou pelo mesmo processo: «Houve alturas da minha vida em que não saía de casa, nem para comprar o jornal. Pedia a alguém que o comprasse por mim.» A actriz explica que houve três fases na sua forma de lidar com a fama: «Primeiro rejeição, depois aceitação, depois rejeição precisavam de conhecer nada para além do meu trabalho. Depois veio a fase de deslumbramento. Dei algumas entrevistas sobre a minha vida pessoal, apareci em trabalhos fotográficos com as minhas filhas. Mas — e veio de novo a rejeição — percebi rapidamente que quanto mais exposta uma pessoa está mais vulnerável se torna.» Também é complicado ser uma figura pública pelo facto de qualquer gesto poder ser interpretado sempre de duas maneiras: «Parece que somos presos por ter cão e presos por não ter... Depois, as regras também não estão muito bem definidas, muitas vezes a imprensa baralha-nos; ficamos sem saber o que é que podemos ou devemos fazer.»

Uma das coisas que mais lhe custa é não poder fazer aquilo que fazia antes de ser conhecida: «É triste não poder ir almoçar com o meu irmão e voltar com ele de braço dado sem que as pessoas digam logo que eu tenho um caso com outro homem.» Pior do que isto só mesmo «o contacto com certas figuras públicas em festas». O que devia ser uma noite de diversão acaba por se transformar numa «sessão de bombardeamento»: «Estás com barriga!... Estás com olheiras!... Estás com péssimo ar!... Devias tirar o sinal!... Chego a casa e penso: ‘Bem, estou acabada!’ Só me apetece regar-me com gasolina e ir à procura de um fósforo... Este tipo de coisas deixa-me na maior das inseguranças.»
Sentir que dezenas de olhos estão postos nelas, a remirar tudo o que fazem, é algo de que as figuras públicas rapidamente se apercebem. «No restaurante, na rua, no café, as pessoas reparam em tudo: com quem estamos, como estamos vestidas, se estamos bem-dispostas, ou maldispostas...», afirma Margarida Pinto Correia, jornalista de televisão durante vários anos. Houve um episódio que a marcou e que resume o desconforto da invasão do espaço privado das figuras públicas. Em 1997, quando representava um papel na peça Um Vestido para Cinco Mulheres, no Teatro São Luiz, a sua personagem obrigou-a a uma grande mudança de visual. Cortou o cabelo à escovinha e pintou-o de louro.

«Antes sequer de me cumprimentarem, as pessoas já estavam a mexer-me no cabelo e a gritarem para o lado: Anda cá ver! O cabelo é mesmo a sério, não é uma peruca! Olha, e está com o Represas!»
Margarida Pinto Correia acredita que este tipo de comportamento coincidiu com o aparecimento dos «reality-shows» a nível mundial: «A partir do momento em que surgiram, as pessoas perderam o respeito pelas figuras públicas, pelo seu espaço privado. Passaram a achar que têm o direito de o invadir.» Um dos episódios mais desagradáveis de que se lembra passou-se na manhã do seu casamento com Luís Represas. Naquele que é um dos dias mais esperados na vida de uma mulher, teve de discutir com o director de uma revista cor-de-rosa que descobrira o local da boda e mandara para lá fotógrafos, apesar de os noivos terem dito que queriam manter a cerimónia privada. «Tivemos fotógrafos pendurados no portão, houve perseguições tipo Diana, porque queriam à viva força tirar fotografias.»

Há também actos aparentemente simples de que as figuras públicas são privadas. Rogério Samora tem particular horror aos sinais vermelhos: «É o único sítio em que não posso andar para a frente, e os condutores do lado não param de olhar para mim, como se eu tivesse culpa de ter a profissão que tenho.» O actor já teve de mudar de casa porque lhe tocavam à porta a toda a hora. Mandou cortar a campainha e mudou de telefone umas 10 ou 15 vezes. Uma simples saída à noite pode transformar-se num pesadelo.
Alexandra Lencastre lembra-se de uma vez em que foi à Kapital «com a Maria Elisa Domingues e outra pessoa e havia um grupo de rapazinhos novos a fazer uma despedida de solteiro. Primeiro ofereceram-me flores, depois, quando já estavam mais bebidos, insultaram-me de todos os nomes... Foi horrível! Lembro-me que descemos os três as escadas a correr e só parámos no carro. Não queríamos acreditar no que tinha acontecido».

O hipermercado é um dos sítios em que Rodrigo Guedes de Carvalho se sente menos confortável. «Talvez por ter as sobrancelhas cerradas e mais de um metro e oitenta», confessa o pivô da SIC, já com 14 anos de visibilidade, «na fila para a caixa, as pessoas estão sempre a ver quando é que vou dar o salto, aproveitar o facto de ser conhecido para passar à frente.»
A estreante Maria João Bastos, que os espectadores conhecem do filme Alta Fidelidade e da novela Ganância, lembra-se de um episódio pouco simpático que lhe aconteceu no ano passado no Colombo. «Era Natal e decidi ir às compras. Acabei por ser seguida por uma rapariga que corria atrás de mim a gritar o nome da minha personagem no telefilme da SIC. Ainda fingi que estava ao telefone, mas acabei por me meter no carro e vir-me embora, com uma sensação horrível de perda de liberdade.»

Mas há coisas bem piores. Episódios sinistros, cartas ameaçadoras ou insultuosas, esperas à porta de casa ou do trabalho são alguns dos aspectos menos dourados da fama. «Não há nada que pague o nosso anonimato», garante Eduarda Maio, a cara de O Juiz Decide ao longo de quatro anos. Durante o período de tempo em que apresentou o programa foi escolhida por um homem para sua correspondente. As cartas, diárias, revelavam uma pessoa que a tinha eleito para sua amada. «Dizia que queria casar comigo, achava que éramos namorados e que o meu silêncio era sinónimo de consentimento. Deixava-me flores no pára-brisas do carro, recadinhos... Chegou a aparecer na SIC. Enquanto não o conheci fisicamente, tive medo», confessa a jornalista, que pensou fazer uma queixa formal à Polícia. «Mas, depois, a produção do programa marcou um encontro com ele, para descobrirmos o seu aspecto, e a partir daí deixei de ter receio.»
Margarida Pinto Correia também teve este tipo de problemas, mais enquanto fez rádio do que na televisão: «Faziam-me esperas à porta de casa, diziam que queriam casar comigo, que era eu ou não era ninguém. Fizeram-me esperas à porta da rádio, às duas da manhã. Quando trabalhei na ‘Cosmopolitan’, um homem veio uma vez do Norte ter comigo; disse-me que me tinha visto numa revista e me tinha reconhecido; que eu era a mulher dele, que a criança que aparecia na foto era filha dele...»

A cartas, telefonemas para casa ou esperas de indivíduos claramente perturbados juntam-se muitas vezes presentes, ramos de flores, ofertas de viagens, pedidos de casamento e anéis de noivado. Dina Aguiar, na televisão há 25 anos, já recebeu vários. Devolve-os sempre. Filipa Garnel, a apresentadora de Confiança Cega, tem um admirador que descobriu o seu número de telefone de casa; fala com o seu filho, deixa-lhe mensagens e manda-lhe ramos de flores. Apesar de isso a incomodar, a apresentadora considera que não pode fazer nada a não ser ignorar.
A (má) relação com a imprensa é outro dos problemas mais citados. Mentiras, boatos, difamações são as queixas que surgem com mais frequência. Rodrigo Guedes de Carvalho ainda se lembra do dia em que acordou e deu de caras com a sua fotografia, em grande plano, na primeira página de «O Crime». «O Rambo de Carnaxide» foi o título escolhido pelo jornal para descrever uma «rixa entre adultos, derivada de uma cena no trânsito, em que alegadamente eu teria dado uma cabeçada a um rapaz, que aparecia no jornal todo embrulhado em ligaduras. A minha primeira reacção foi logo telefonar aos meus pais para explicar o que tinha sucedido. Se isso condicionou o meu comportamento posterior? Claro que condicionou. Agora, sempre que me fazem alguma no trânsito, sempre que me apetece fazer o que qualquer outro cidadão anónimo faria, conto até dez...»

Mais graves ainda são os casos em que se utiliza a imagem de uma figura pública sem a sua permissão ou se recorre à distorção. Margarida Pinto Correia teve, nesse campo, uma experiência muito pouco agradável: uma fotomontagem num «site» da Internet chamado «Fototanga» mostrava caras conhecidas em poses escandalosas. «As fotografias pareciam verdadeiras. Estavam, infelizmente, muito bem montadas, com as caras de várias figuras públicas — a minha incluída — coladas a corpos de mulheres da ‘Playboy’, por exemplo, a masturbarem-se. As fotografias acabaram por aparecer no ‘Tal & Qual’, e foi um período muito difícil, porque eu ia na rua e achava que as pessoas, quando olhavam para mim, estavam a ver-me nua», diz a jornalista.
Outro dos casos bem conhecidos foi o do «Dantas», no Verão de 96. O suplemento do «Semanário» valeu vários processos ao director do jornal. Filipa Garnel, Emídio Rangel, Margarida Marante e Miguel Sousa Tavares foram apenas alguns dos visados. «O boato é o pior que pode acontecer, sobretudo no meio profissional», reconhece Elsa Raposo, a apresentadora-bomba do programa Sex Appeal, um dos mais recentes fenómenos de popularidade. Aquela que foi apelidada por alguns de «mulher perigosa» e a quem a imprensa atribuiu um caso, responsabilizando-a pela ruptura de um casamento, garante que «há muitas amizades interessadas a partir do momento em que se é uma figura pública» e que «o pior de tudo são mesmo as pessoas que não sabem viver com o sucesso das outras».
Também há episódios engraçados, por vezes anedóticos. Sofia Aparício recorda-se de quando leu que «ia lançar um livro sobre o romance que tinha mantido com D. Duarte. Nem sequer me dei ao trabalho de ligar para a revista a pedir um desmentido; achei que qualquer pessoa com dois dedos de testa só poderia ter uma reacção: rir a bandeiras despregadas». Da mesma forma, ao folhear a imprensa cor-de-rosa, Paula Castelar «descobriu» que se tinha casado: «Estava muito feliz e desejosa de ter um filho. A minha mãe ligou-me logo, aflita, a perguntar porque é que eu não tinha convidado ninguém para o casamento...»
Coisas simples são, afinal, aquilo de que as vedetas mais sentem falta. É, ao fim e ao cabo, o preço da fama.

     

 



A modelo e actriz Sofia Aparício



A jornalista Margarida Pinto Correia



Alexandra Lencastre, actriz



Elsa Raposo, ex-modelo e apresentadora de televisão



Maria João Bastos, actriz



O actor Rogério Samora



Rodrigo Guedes de Carvalho, um dos pivôs da SIC



A apresentadora de televisão Paula Castelar



Felipa Garnel