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BLUE TRAVEL No. 23 | MAIO 2005



TODOS OS TEXTOS © BLUE TRAVEL | KATYA DELIMBEUF

Panamá Bocas del Toro
Bem-vindo ao paraíso

Há sítios assim – de sonho. Em que tudo é fácil, tudo é simples, tudo é bonito, das praias de águas quentes e transparentes a perder de vista, à natureza luxuriante ou ao sorriso dos miúdos. No Panamá, em Bocas del Toro, ou na ilha de Bastimentos, há lugares que transbordam de natureza em estado puro, onde reinam o verde e o azul.

Deitada na minha plataforma privativa sobre o oceano, com o céu por cima e mar a toda a volta, não é difícil sentirmo-nos no paraíso. Por baixo do soalho, a água transparente revela corais e peixes que passeiam, ociosos. Estamos no Punta Caracol, o único «acqua-lodge» inteiramente construído sobre o mar no Caribe, uma passadeira de madeira onde se semeiam seis cabanas de tecto de colmo, plantadas em cima da água. A toda a volta, uma linha de horizonte quase infinita, feita de mar chão. Mas talvez o mais impressionante seja o silêncio… Este é um daqueles sítios perfeitos para se esquecer do mundo, para esquecer os problemas, para se esquecer de si. Para tirar o relógio e ouvir o silêncio do vento que não se atreve a soprar. Para ver os caranguejos cruzarem o soalho e os peixes darem pulos de contentamento. Este é um lugar ideal para os namorados, para recém-casados em lua-de-mel ou para renovar votos de amor. Para estar a dois, ou tão simplesmente para marcar encontro consigo.

É nestas alturas que sabemos que os leitores nos vão odiar por termos o privilégio de chamar a isto «trabalho». Pois bem, não vou sequer esboçar uma estratégia de argumentação, explicar que os momentos negativos nunca se vêem, falar das longas esperas nos aeroportos, da falta de sono entre escalas ou do ‘jet-lag’… Também não vou mentir: se houver um paraíso, não deverá ser muito diferente deste sítio de águas quentes e transparentes, onde se podem passar horas ‘de molho’ até os dedos se encarquilharem, a ver as conchas, os peixes que quase se agarram com a mão, os corais de todas as formas e cores… Em Bocas del Toro, um arquipélago no mar do Caribe, as ilhas em estado selvagem explodem de vegetação luxuriante; revelam meninos felizes com sorrisos e olhos do tamanho do mundo que mergulham nus dos pontões para o mar; e a gente acolhedora e simples relembra-nos as coisas verdadeiramente importantes da vida.

O mar como piscina privativa
Quando o Punta Caracol ainda dorme, pelas 7h da manhã, é a melhor altura para se sentar na sua plataforma sobre o mar e meditar. Pode fazer um ioga matinal, ou aproveitar o silêncio raro de uma paisagem como esta, apenas interrompido pelo som de um peixe que salta ou o grito de um pássaro. Este pontão desafia-me, exerce sobre mim um fascínio irresistível. Sento-me mesmo na beira, olho para baixo para esse mar transparente onde os ouriços, os peixes e os corais me fitam – e chamam. Ouço o silêncio à minha volta, todo este mar plano e tranquilo e tento escutar o meu silêncio. Alinhar-me com a energia do universo.

Acordar no Punta Caracol pode ser um verdadeiro ‘sacrifício’… Há, primeiro, que espreguiçar-se duma longa noite bem dormida em leito de princesa – uma cama colonial, quadrada, inteiramente envolvida em tecido branco, qual véu de noiva -, mesmo a tempo de ver o sol nascer. Depois, há que ‘arrastar-se’ até à plataforma da sua cabana sobre o mar e deixar-se cair, simplesmente, na sua piscina oceânica… Nada melhor ou mais revigorante para começar o dia do que um mergulho nestas águas límpidas. O despertar mais natural do mundo… Acrescentemos-lhe um ‘snorkelling’ e podemos perder horas a observar o fundo do mar, os corais e os peixes, num silêncio pacificador para a alma. A seguir, pode ficar a preguiçar, ler um livro ou secar ao sol, até que o estômago dê os primeiros sinais e lhe faça a indulgência de o aconchegar com um excelente pequeno-almoço.

O Punta Caracol orgulha-se de todos os materiais usados na sua construção – do colmo dos telhados às madeiras dos soalhos, dos tapetes de palha aos cabides em bambu – provirem da natureza. Até a energia eléctrica, recolhida por painéis solares, abastece os quartos apenas com 12 V. No mesmo espírito ecológico, não há telefone, nem internet, nem televisão. Em vez disso, nas cabanas há pés de pato, equipamento de ‘snorkelling’… e uma piscina privativa chamada oceano. E pensar que tudo isto foi pensado e concebido por um jovem de 20 e poucos anos... José Luís Bordas, um espanhol de 29 anos, originário de Barcelona, foi sempre um rapaz aventureiro, com gosto pelas viagens. Este louro garboso, com evidente sucesso junto do público feminino, empreendeu muito novo a viagem ao Panamá. Aos 21 anos, depois de terminar o curso de Administração de Empresas, percorreu o país de ponta a ponta, nos caminhos de cabras que existem para lá da única auto-estrada. No fim de tudo estava Bocas del Toro.

Deslumbrado pela paisagem, aqui permaneceu um ano, na quinta de uma colombiana, certo de que queria fazer algo – mas não sabendo ainda o quê. Decidiu então aproveitar a tese de fim de curso para desenvolver o projecto de um «acqua-lodge», 100% ecológico, construído sobre a água, ao estilo das casas caribenhas. O trabalho final acabaria por se tornar no seu projecto de vida. «Vir para aqui não é uma decisão empresarial. É uma opção de vida», explica José Luís. É o que digo aos investidores que me falam em ‘cash investment’». A ele, nunca lhe fez sentido o estilo de vida ocidental, «acordar às 6h da manhã para se ir meter na fila de trânsito, fazer uma hipoteca a 40 anos, trabalhar 12 ou 14 horas por dia para ter BMWs e Rolexes»… Em suma, diz, nunca teve grandes ambições materiais. Prefere trabalhar oito horas, e desfrutar do meio que o rodeia - poder acordar e dar um mergulho, fazer ‘surf ’, dançar, fazer a festa…

O projecto do Punta Caracol - para 12 cabanas, das quais foram construídas 6 - levou quatro anos a pôr de pé. Mas valeu a pena. Aliás, um aspecto curioso é que toda a família de José Luís se converteu ao sítio e se mudou para cá. Primeiro foi a irmã, Piluchy, que durante umas férias, se apaixonou – pelo sítio e por um panamenho -, casou, teve dois filhos, ficou. Depois, foram os pais - ele um prestigiado cirurgião de Barcelona, ela uma advogada – que se reformaram mais cedo para poder usufruir os últimos anos com qualidade de vida. «Lá (na Europa), o tempo passa a correr, nem dás por ele», diz a Senõra Pilar. «Aqui, esse acompanhamento faz-se de forma muito mais equilibrada, mais próxima do ritmo da natureza».

Estrelas do mar aos molhos
Depois de vários dias a lavar a vista e a descansar a alma, é natural que lhe apeteça dar uma volta pelas proximidades. Das várias propostas à sua disposição, pode ir à Baía dos Golfinhos ou a Coral Cay, mas uma que consideramos imperdível é a Praia das Estrelas e a baía de Boca del Drago, onde pode almoçar e passar a tarde. A apenas 15 minutos do ‘lodge’, a Praia das Estrelas é uma extensão de areal virgem, que deve o nome ao facto de ter estrelas do mar… aos molhos! Este espectáculo da natureza é tão impressionante que dificilmente se acredita, quando se chega, que todas aquelas ‘manchas’ de cor – laranja, vermelha, amarela - debaixo de água são realmente estrelas do mar… Mas são - e tão grandes, tantas e tão bonitas que é impossível não ficar deslumbrado pela perfeição das coisas. Pode pegar-lhes, mas não as deixe mais de um minuto fora de água, pois precisam de respirar. O mar, mais uma vez transparente, mais uma vez tão quente que se escorrega para dentro dele como manteiga a derreter, proporciona banhos deliciosos. Nestas alturas, surge a dúvida do costume: será que dar a conhecer um paraíso natural contribui para o seu fim a médio prazo? Saberão as pessoas conter-se e não levar as estrelas do mar consigo como troféu de férias? Saberão respeitar o tempo que podem estar fora de água? Esperamos que sim.

Rumamos a Boca del Drago, uma baía de águas transparentes e quentes, com bancos de areia onde pássaros brancos estão poisados. Para lá do mar quente e dos cardumes de peixe que quase se podem apanhar à mão, há uma larga faixa de areal por onde pode caminhar ou estender-se. Se decidir fazer uma sesta, sobretudo não escolha a sombra de um coqueiro ou de outra árvore com frutos que caem… justamente por esse motivo. Tempere o passeio com mergulhos para se ir refrescando, e proteja-se do sol, que é muito forte. Almoçamos no restaurante, simples, mas que tem peixe e marisco. Comemos lagostins com o tradicional feijão com arroz e ‘patacones’, banana espalmada na frigideira.

No regresso, pedimos ao ‘capitán’ para nos levar à ‘quebrada’. Subimos pelo rio, ladeado por manguezal com as suas raízes de fora, onde vivem índios Guaymin nas margens. A paisagem é deslumbrante, ao melhor estilo da floresta amazónica, com árvores atravessadas na horizontal das quais temos de nos desviar. Cruzamo-nos com pirogas feitas de troncos de árvores, o transporte dos locais. A certa altura, encontramos Cipriano (11 anos) e Argélio (10), dois «meninos do rio» empoleirados nas raízes do manguezal, a pescar pargo. São lindos estes meninos de olhos grandes e felizes. Como o são também os da família índia que conhecemos mais à frente: Xiomara, a mais velha, Reynaldo, de 7 anos, e Jenilda, de 3, podem ter pouco mais do que a roupa que trazem no corpo – mas os seus sorrisos são uma das coisas mais preciosas que trago desta viagem.

No Punta Caracol, pode andar de kayac, escolher um passeio dos vários que tem à disposição ou apanhar uma lancha e ir a Bocas del Toro, o «pueblo» mais próximo. Saem quatro lanchas todos os dias - duas de manhã, uma à tarde, e outra à noite. Em 15 minutos estamos na vila, de casas de madeira construídas sobre estacas, na água. Bocas é um povoado de características tipicamente terceiro-mundistas, mas o seu encanto vai-se entranhando na mesma proporção da humidade. Espraia-se nas mulheres de rolos na cabeça que conversam à janela, no cheiro inebriante do verde húmido dos trópicos. Nos taxistas que abrem a porta em andamento para falar com um conhecido que vêem na rua. No facto de todos, sem excepção, sorrirem. Nos miúdos que mergulham, nus, do pontão para o mar.

A «estrada», de terra batida, transforma-se às primeiras chuvas num mar de lama com buracos do tamanho de piscinas. (Aliás, o único tipo de calçado aconselhado são os ténis, sob pena de ‘perder’ as havaianas pelo caminho…) O meio de transporte usual é o táxi, que para além de estar sempre a passar, é barato (custa meio dólar) e leva-nos a todo o lado. Mas o mais curioso – e pitoresco – é que transporta até quatro passageiros diferentes, com os seus vários destinos e respectivos apeadeiros. Este espírito informal dá origem a conversas engraçadas e conhecimentos travados de forma original. Nada mais fácil aqui do que entabular conversa – as pessoas são muito abertas e as amizades surgem espontaneamente.

Um «pueblo» cheio de «gringos»
Apesar de ser tão pequeno, este povoado de 1500 habitantes tem um apreciável número de estrangeiros a viver aqui - americanos, holandeses, franceses, espanhóis, alemães… Muitos renderam-se aos encantos de uma vida mais relaxada, e coadunam negócios nos seus países de origem com o restante do tempo cá. Um desses personagens é também quem proporciona a melhor experiência gastronómica de Bocas del Toro: Stéphane é o proprietário do El Pecado da Sabor, um restaurante na Calle Tercera, a avenida central, que mistura sabores japoneses, franceses, crioulos, tailandeses na ementa…

Este canadiano do Quebeque representa a outra faceta deste povoado, o lado mais internacional de Bocas. Stéphane está sempre muito bem disposto e rodeado de amigos e familiares – a começar pelos 4 filhos e a mulher, Olga. Há onze anos atrás, o estudante de cinema pegou na família, meteu-a no carro, e decidiram parar «onde se sentissem bem». A primeira paragem foi na Costa Rica, onde ficaram cinco anos. Depois, vieram para o Panamá. Abriram primeiro o restaurante El Ultimo Refugio, depois o El Pecado. Só o nome deu direito a prisão e tudo, porque o padre de Bocas não queria um estabelecimento chamado ‘Pecado’. Stéphane tanto esperneou que se safou.

A viver em Bocas há seis anos, pensa ficar mais um ano ou dois, «porque os americanos estão a tomar conta disto e a mudar tudo. Compram para depois vender ao dobro e ao triplo do preço e fazer negócio». Os mais pessimistas acreditam que os ‘gringos’ estão de tal maneira interessados no negócio imobiliário que daqui a cinco anos, só os ricos poderão viver em Bocas… Fazemos votos para que isso não aconteça, sob pena do sítio perder a sua autenticidade e a sua magia tão próprias… É como diz Stéphane: «Por mim, enquanto este lugar permanecer caótico, eu fico. A partir do momento em que se organizar, é altura de partir».

De regresso ao «molhe Saigon», onde a lancha espera para regressarmos ao Punta Caracol, cruzamo-nos com meninos que ali estão à pesca com um cordel e pedaços de pão que vão largando ao mar. Em 15 minutos, estamos de regresso ao «acqua-lodge». Na lancha, o vento a bater na cara e no cabelo é um autêntico hino à liberdade.

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Guia Bocas del Toro

Onde ficar

Punta Caracol acqua lodge
Isla Colón, Bocas del Toro, Panamá
Tel: 507 676 71 86
Fax: 507 757 97 18
Single a partir de 146¤ por pessoa (época baixa),
‘master suite’ a partir de 195¤ por pessoa (época baixa)
www.puntacaracol.com.pa

Cocomo on the sea
( mesmo na povoação de Bocas del Toro)
Avenida Norte com a Rua 6ª
Tel: 507 757 92 59
HYPERLINK "http://www.panamainfo.com/cocomo" www.panamainfo.com/cocomo
Quatro quartos, dois com vista mar: entre 34¤ e 50¤ (+ taxa 10%)

Onde comer

El Pecado da Sabor
Calle Tercera
Comida tailandesa, mexicana, francesa…
Exs: sashimi de atum, hummus tahini, ‘escargots’, bife de atum em salsa japonesa, truta com amêndoas
Preço médio: 15¤ (com um copo de vinho)
Fecha ao domingo

Om Café
Indiano e vegetariano
Servem pequenos-almoços indianos, com Masala Chai (chá indiano), têm óptimos batidos de fruta, e recomendo o frango com manteiga (não é enjoativo, é óptimo).
Preço médio: 9 ¤
Abertos para pequeno-almoço (das 8h às 12h) e jantar (das 17h30 às 22h)

Pargo Rojo
Isla Carenero, a 5 mn de lancha
Tel: (507) 757 96 49

Passeios

Aluguer de lanchas («expresso-táxis»):
Ao longo de toda a Calle Tercera
Tel: (507) 757 90 28
A partir das 9h30 am
- Passeio até Zapatillas: 15¤ (por pessoa)
- Baía dos Golfinhos: 15¤
- Praia Red Frog: 11¤
- Boca del Drago: 11¤
- Ilha dos Pássaros: 11¤
- Praia das Estrelas: 11¤
- Praia Polo (Bastimentos): 9¤

Telefone do «capitán»: Jeff Smith, «o lobo do mar»: (507) 692 04 39

Praias

Surf: Bluff, Paunch (12¤ de táxi) e ilha de Carenero

Onde sair

Barco Hundido
Mondo Taitu
Encanto

Dicas úteis

Não traga euros, porque ninguém os aceita – nem troca. O Banco Nacional do Panamá não os troca, e não há casas de câmbio no aeroporto de Bocas del Toro. Traga dólares.

Há um só sítio onde pode levantar dinheiro com cartão multibanco: numa transversal da Calle Tercera com a Calle Primera, o sistema Clavel

Adaptadores: a corrente é de 110 V, pelo que ou traz adaptadores, ou nada que seja eléctrico funciona.

Repelente (ou melhor ainda, óleo para bebé): absolutamente obrigatório para lutar contra estes mosquitos carnívoros – chamam-lhes «chíteras» - que nos deixam quase em estado de varicela…«Horários panamenhos»: aqui, as combinações horárias não têm um carácter vinculativo, apenas indicativo. Ou seja: não stresse, está no Caribe. 16h pode dizer 16h30, ou 17h… O importante é que aproveite bem o tempo e não se enerve com mudanças de horário de última hora

Como ir

Há várias hipóteses. Pode ir pela British Airways até Londres, daí até Miami, de lá para Panamá City, a capital do Panamá, onde apanha um voo regional para Bocas del Toro. No entanto, esta solução é incómoda, com uma viagem de mais de 24 horas ao todo, com escalas e o ‘jet-lag’ de 5 horas.
Outra solução, muito mais confortável segundo nós, será fazer Lisboa- Madrid, e daí voar directamente para Panamá City.

Quando ir

A melhor altura para ir será na estação seca, que vai de Dezembro a Abril. Depois começa a estação húmida, com as suas chuvadas tropicais e um elevado grau de humidade.