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BLUE TRAVEL No. 30 | JANEIRO 2006



TODOS OS TEXTOS © BLUE TRAVEL | KATYA DELIMBEUF

DAR AHLAM
A sedução do deserto


Quando o exotismo marroquino encontra a mais apurada qualidade europeia, aliada à magia e às surpresas de uma casa de sonho no deserto, o resultado só pode ser o melhor.
Em Skoura, a 35 km de Ouarzazate, no Sul de Marrocos, há cenários de filme criados especialmente para si – nas montanhas do Atlas, num oásis no deserto ou no dorso de um dromedário. A duas horas de distância, perfeito para dias inesquecíveis.

Há no deserto algo que exerce em nós uma atracção difícil de explicar. Será talvez a sedução dos véus, que escondem as marroquinas e apenas deixam olhares à mostra, desenhado a ‘kohl’. O mistério das paisagens, que se eternizam em planícies de terra desértica. Os homens de ‘jellaba’ pontiaguda na cabeça que, mesmo não trocando uma única palavra, agradecem com o olhar. Ou talvez seja a herança moura que trazemos no código genético que nos aproxima desta gente. Garantiram-me que, uma vez fazendo amigos em Marrocos, teria amigos para a vida toda. Na altura, não soube o que dizer. Só sei que no dia seguinte à nossa partida, Abdou mandou um e-mail.

Foi o nosso guia no Dar Ahlam – em árabe, a Casa dos Sonhos -, uma ‘casbah’ também ela de sonho em Skoura, na província de Ouarzazate. Acompanhou-nos em momentos mágicos, fez connosco uma travessia do deserto em dromedário, ensinou-nos tudo sobre o cerimonial do chá, falou-nos das sensações que se têm quando cai a noite no deserto e não há nada entre nós e as estrelas. Não esqueço a alegria permanente e o sorriso, o profissionalismo para que nada nos faltasse, ou a visita que nos proporcionou quando abriu as portas da própria casa, a imponente Amridil, que vem no dorso das notas de 50 dirams - Abdou é um dos 60 herdeiros daquele Ksar, que significa ‘cidadela’, um grau acima da ‘casbah’, já de si grande (significa ‘fortaleza’).

Não esqueço as canções árabes que cantou para nós no oásis de Skoura, alumiados pela luz de uma fogueira, nem da visão dele a abanar vigorosamente uma tamareira, enquanto cantava, como um miúdo, «Mustafá, ah Mustafá…!», arrancando gargalhadas a todos.
No seu e-mail, Abdou queria saber se tínhamos chegado bem. Agradeceu os bons momentos que passou connosco e espera que nos vejamos em breve, «inchallah». Este marroquino não é o único elemento especial destas paragens. Podemos começar pelo sítio onde estamos hospedados, já de si com um nome muito especial: a Casa dos Sonhos. Dar Ahlam, em árabe.

A Casa dos Sonhos é uma bela e luxuosa ‘casbah’ de 1920, renovada para acolher a mais exigente clientela. Com as suas quatro torres, típicas dos tempos de guerra, é uma construção quase mágica, cuja imponência bélica é amenizada pelos motivos rendilhados que percorrem a fachada rósea. Enorme e labiríntica, cheia de corredores e pátios interiores, o Dar Ahlam conjuga o melhor de dois mundos: a qualidade e o apuro da hotelaria europeia (ou não fosse o gerente suíço) e o exotismo e sensualidade marroquinas.

Como todas as ‘casbahs’, também esta tem no seu centro um pátio, em torno do qual se ergue a escadaria que vai dar ao primeiro e segundo andar, onde estão os quartos, e ao terraço, com vista para o palmeiral de Skoura. Há também um ‘riad’, com o seu pátio interior e fonte a jorrar água, onde se encontram as salas dos perfumes e do bem-estar, com ‘hammam’ e ‘jacuzzi’. Na sala de estar, decorada com muito bom gosto, repleta de sofás brancos, tapetes vermelhos, uma enorme lareira em ‘tadlakt’ negro, material característico da região, acolhe o visitante. Os quartos são outra experiência visual. São doze, mas nenhum é igual ao outro. Cada um tem um tema e uma decoração diferente, mas o bom gosto é constante e o ‘design’ alia-se a apontamentos locais como os tapetes berberes ou as mesas marroquinas. Todos os quartos têm lareira.

Construída como um labirinto, a casa tem inúmeros recantos, palidamente alumiados por candeeiros árabes de vidros de todas as cores, onde é inevitável – e desejável - perder-se. Deambulando pelos corredores, tanto pode desenbocar num pátio interior onde só se ouve o doce murmurar da água, como numa agradável sala de leitura com uma mala antiga cheia de livros. Há confortáveis salas forradas a sofás rasteiros e almofadas de seda e veludo, a lembrar o ambiente de luxúria das Mil e Uma Noites, e salas com cachimbos de água e quadros do imaginário do deserto. Dominam os tons quentes, as velas laranja e vermelhas, os candeeiros a meia luz, num ambiente de mistério e exotismo. Os três andares estão povoados de almofadas e velas, bacias de cobre com pétalas de flores, janelas de ferro forjado, pelo que a descoberta é permanente… E a dividir os espaços, sempre as lindíssimas portas árabes de madeira trabalhada, pesadas, antigas de séculos, abertas em permanência.

A filosofia do Dar Ahlam é fazer com que as pessoas se sintam em casa. Por isso, não há horários fixos para nada: para jantar, para almoçar nem para tomar o pequeno-almoço. O jantar é «quando quisermos», o almoço «quando nos apetecer», o pequeno-almoço «à hora que desejarmos». Outra particularidade da casa é o efeito surpresa. Nunca jantará duas vezes no mesmo sítio, e o mesmo é válido para todas as refeições. Cada repasto é uma experiência - total, visual e gustativa. Tanto pode almoçar no jardim, por baixo das oliveiras, em almofadas rasteiras, como numa tenda branca no pátio dos loureiros, ou jantar no terraço, à lareira. Nunca se sabe onde se vai comer, mas sabe-se de antemão que será uma experiência memorável. Primeiro, porque a gastronomia é maravilhosa – um menu de quatro pratos (entrada, sopa, prato principal e sobremesa), em que abundam surpresas e sobra talento do ‘chef’, tanto na mistura dos sabores como na ‘mise-en-scène’.
A toalha, a louça, os copos e os acessórios, como as cores, variam de refeição para refeição. Mantêm-se apenas os talheres de prata com monograma, o bom vinho tinto marroquino e os jantares iluminados unicamente pela luz das velas.

Damos alguns exemplos, para que fique com uma ideia: ‘brusquetta’ de azeite e ervas, sopa fria de iogurte com coentros, espetada de peru com legumes e ‘carpaccio’ de ananás com sorvete de limão. Ou ‘amuse-bouche’ de citrinos, sopa fria de ervilhas, tagine de legumes e kefta grelhado, tarte de maçã e laranja e bolinhos de maracujá. Ou ainda: creme de cenoura com natas, risotto de gema de ovo, pato com frutos vermelhos e ‘carré’ de chocolate com folha de ouro. Convencido…? Além disto, a Casa dos Sonhos tem duas outras características importantes para entender o seu conceito: o Dar Ahlam pratica um sistema de ‘all inclusive’, o que elimina o dinheiro da equação. E inclui: todas as massagens que lhe apetecer, ‘hammams’, ‘jacuzzi’, passeios de jipe, de dromedário ou de cavalo, saídas para ver o pôr-do-sol no Atlas, vinhos, cocktails, etc... Para que possa aproveitar o máximo sem estar preocupado com a conta (que será a mesma caso tenha feito todas as actividades propostas ou nenhuma). Finalmente, o melhor para o fim. Há na filosofia do Dar Ahlam algo completamente ‘Blue’: é que a Casa dos Sonhos tem por objectivo fazer as pessoas sonhar e criar cenários de sonho. São criadores do «efeito uau», como lhe passei a chamar. Passo a explicar.

Foi-nos dito que sairíamos para almoçar. Puseram-nos num jipe, percorremos a «estrada das 1000 casbahs», planícies de pedra arenosa e, cerca de 15 minutos depois, parámos. Saímos do carro, passámos dunas, uma nascente de água doce, e de repente… Cénicas como num filme, perfilavam-se as ruínas de uma casbah, verticais como um templo grego. E à frente, a nossa tenda, montada ali no meio de deserto, mesa impecavelmente posta, lindíssima. O chef, o talentoso Mohamed El Mantouh, já lá está, a trabalhar para nós, pronto para nos estragar com mimos, para que desfrutemos ao máximo este cenário. É este o espírito da Casa dos Sonhos. Por isso não fomos ‘depositados’ no ‘setting’ deste filme, por isso percorremos aquele curto passeio a pé… Para que quando cheguemos ao local, a única coisa que possamos fazer seja deixar caír o queixo - e dizer «uau…»

No fim do almoço, Abdou, o nosso guia, volta envergando a ‘gandora’, uma ‘jellaba’ sem capuz. Vamos para o passeio com os dromedários. Abdou trouxe ‘chechs’ para toda a gente, os panos com os quais os povos do deserto protegem a cabeça do sol. Os três dromedários aguardam, perfilados, junto ao seu tratador, um berbere de ‘chech’ azul forte. Como são dromedários do Mali, altos e esbeltos, têm quase três metros de altura. Posso assegurar-lhe que é imponente observar o deserto dali de cima… Agora não se engane e venha falar em camelos… Em Marrocos, só há exemplares de uma bossa.

Atravessamos o deserto guiados pela mão sábia de um berbere. Passamos por planícies com o Atlas por trás, cruzamos uma família nómada que acabou de chegar e ainda não desfez os sacos que contêm a sua vida. Andamos, até vislumbrar um oásis - verdadeiro. O oásis de Skoura. Aí, espera-nos novo cenário: um chá no deserto, em cima de tapetes berberes, repletos de almofadas coloridas. A água já ferve, num fogo de brasas. Abdou explica-nos o cerimonial do chá. «Bebemos chá cinco, seis vezes ao dia», explica. «Não podemos viver sem chá. Esta chaleira de metal acompanha-nos a vida toda. As festas, as decisões importantes, tomam-se sempre em torno desta bebida». Por trás do oásis, estende-se o Alto Atlas Central, que tem neve no topo. Não se ouve um som. Sentamo-nos para ver o sol pôr-se, por trás das palmeiras. Então, Abdou acende a fogueira e deixamo-nos ficar, aconchegados pelo calor do fogo e hipnotizados pela beleza do lume. Alguém pede a Abdou que cante uma canção árabe. Alumiados pela luz da fogueira, falamos de amor e do deserto, naqueles momentos perfeitos em que poderíamos suspender o tempo.O dia seguinte reserva-nos mais imagens de sonho, daquelas que ficam para sempre gravadas na memória.

Partimos de jipe, rumo às gargantas de Sidi Flah, no vale do Dadès. Andamos por entre colinas de areia e montanhas de rocha vulcânica que brilham com o reflexo da luz do sol. Após uma curta caminhada, avistamos o nosso cenário. Uma nascente de água doce, com as montanhas de basalto negro reluzente por trás, recortadas pelo azul do céu. No areal de pedra junto ao rio, de novo um tapete berbere, cheio de almofadas, de novo a mesa posta, vinho tinto, pão, saladas, sobremesa. Só se ouve o suave marulhar da água…Depois do almoço, seguimos para um passeio a cavalo, no dorso de um puro-sangue árabe. E a meio da tarde, rumamos para as montanhas ver o pôr-do-sol. No Atlas, temos uma vista incrível, a toda a volta. O cenário foi preparado para nós, antes que chegássemos. O profissionalismo é uma constante nesta Casa dos Sonhos onde tudo é feito para que o hóspede saia satisfeito. Não é por acaso que Brad Pitt ou Cate Blanchett já passaram por aqui…

Não deixe de usufruir dos serviços de bem-estar proporcionados pelo Dahr Ahlam: ‘jacuzzi’, ‘hammam’ e massagens são alguns dos mimos de que deverá desfrutar antes de voltar. Entregue-se nas mãos diligentes das massagistas com mãos de fada, Hassna e Monia, quer seja na tenda zen montada no jardim, com o canto dos passáros por banda sonora, ou na relaxante sala de massagem com lareira, onde lhe servirão uma infusão. Sairá a flutuar e a trautear «Heaven, I’m in heaven…», é garantido. Antes da partida, Radija tatua-nos as mãos com ‘henné’ para trazermos no corpo provas desta estada marroquina. Nos olhos e na memória não é preciso - sei que não vou esquecer. Que o regresso seja breve. Inchallah!

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GUIA
Dar Ahlam (chancela da Relaîs & Chateaux)
Palmeraie de Skoura
Ouarzazate, Marrocos
Reservas - Paris: 00 33 153 63 42 30
Marrocos: + 212 44 85 22 39
www.darahlam.com

Quando ir
Qualquer altura é boa para visitar o reino de Marrocos, mas pode sempre tentar conjugar a altura do ano com as temperaturas que mais lhe agradam. No deserto, os verões podem atingir temperaturas muito elevadas durante o dia, na ordem dos 40șC, e caírem acentuadamente à noite – pelo que será talvez mais agradável visitar o país na altura das estações intermédias (Primavera e Outono). De qualquer modo, o clima é semelhante ao mediterrânico, à excepção do interior e do deserto, onde as amplitudes térmicas se acentuam.

Como ir
Voámos até Casablanca, pela Royal Air Maroc (voo com duração de hora e meia), e daí fizemos a ligação até Marrakesh (45 mn). De Marrakesh a Skoura são cerca de 4 horas de carro – tem um bom troço de estrada de montanha, pelo Atlas, e sobretudo as tentações (vendedores de fósseis e pedras semi-preciosas em estado bruto, mercados…) ao longo da estrada são mais que muitas e é difícil não parar.5 actividades que não pode deixar de fazer:

- Uma travessia de dromedário no deserto
- Passar o fim da tarde no oásis de Skoura
- Ver o pôr-do-sol no Atlas
- Ir às gargantas de Sidi Flah, no vale do Dades
- Visitar o Ksar Amridil, na estrada das 1000 ‘casbahs’
- Pode também pedir para passar uma noite no deserto, a 350 km, mas nesse caso tem de reservar
5 programas que recomendamos:
- Fazer uma massagem na tenda zen no jardim do Dar Ahlam
- Experimentar o ‘hammam’ e exfoliar a pele com o famoso ‘savon noir’
- Fazer uma tatuagem de henné
- Dar um passeio a cavalo
- Comprar candeeiros, lanternas árabes, copos de chá e regatear… regatear sempre.

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