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BLUE TRAVEL No. 45 | MAIO 2007



TODOS OS TEXTOS © BLUE TRAVEL | KATYA DELIMBEUF

Admirável Costa Tica

«…Nobre pátria, o teu pródigo solo
doce abrigo e sustento nos dá
sob o límpido azul do teu céu
vivam sempre o trabalho e a paz»

(Excerto do hino da Costa Rica, um dos poucos países do mundo que não tem exército)

Ao contrário dos hinos da maioria dos países, que exaltam a guerra e a conquista, a canção nacional da Costa Rica presta homenagem à natureza. Por aí se vislumbra a natureza subtil deste povo, e o seu respeito pela terra. Mal se chega, percebe-se por que Colombo a baptizou de «Costa Rica». Já se sabe que é uma meca do eco-turismo, mas não deixa de ser irónico que o país mais pequeno da América Central concentre mais de 4% da bio-diversidade de todo o mundo. Descemos a Costa Pacífica da Costa Rica (e «pacífica», aqui, é mais que o oceano, já que o país é um dos poucos que não têm exército) à procura dos seus melhores segredos. Por ser uma longa - e rica – viagem, apresentamo-la em três momentos: primeiro Guanacaste, no nordeste do país, com o seu extenso litoral de praias; depois, Quepos, mais a sul, conhecido essencialmente pelo Parque Nacional Manuel António; e finalmente, porque o melhor se guarda para o fim, no extremo sul, a Península de Osa, tesouro intocado.


A poderosa voz de Lila Downs ecoa pelo carro e transborda pelos vidros abertos, enquanto o jipe voa pelas estradas de terra batida, levantando nuvens de poeira à sua passagem. Percorremos pequenos ‘pueblos’, com os seus campos de futebol, atravessamos rios, como se o jipe fosse barco, cruzamos macacos ocasionais que pendem de galhos, garças estacadas em postes de estrada como esculturas, borboletas azuis gigantes. São quadros de um país rural, com «ganaderos» a cavalo com os seus chapéus de «cowboy», cavalos e vacas a pastar na estrada. Nas ‘sodas’ (os restaurantes locais), temos ‘casado’ à mesa e ‘Imperial’ gelada na mão. Extasiamo-nos com a beleza da paisagem, paramos a cada pôr-do-sol como se fosse o primeiro, tiramos centenas de fotografias. A desarmante hospitalidade dos Ticos (o nome que os costa-riquenhos dão a si próprios) não cessa de nos espantar. E no fim, montamo-nos no jipe e voamos pelas estradas esburacadas, dignas de um ‘rally-cross’. Costa Rica ‘by car’, costa do Pacífico abaixo. Que rica viagem!

Se há coisa que pode ter a certeza de trazer na mala ao voltar de uma viagem à Costa Rica, é uma «barrigada» de postais e memórias visuais que chegarão para encher o baú das recordações por uns tempos valentes. Pela sua retina terão passado dezenas de animais - de macacos de cara branca a rãs verdes e amarelas, de araras e tucanos a crocodilos e iguanas, de guaxinins a preguiças, passando por borboletas de todas as cores. Nunca é demais relembrar que a Costa Rica é morada de quase 5% da biodiversidade do planeta, com 12.000 espécies de plantas, 850 espécies de aves, 350 de répteis, 130 de peixes, 3000 de borboletas, 200 de mamíferos e 40.000 de insectos… Ufa! O mesmo, quase, pode dizer-se a nível de praias: ao voltar, terá visto tantas e mergulhado em tantas outras, olhado para tantos pores-do-sol extasiantes, que na sua cabeça confundirá nomes e sítios, não sabendo já qual era «aquela praia perfeita, deserta, de enorme areal». A brincar, a brincar, 120 km de litoral dá até para enjoar… Reservámo-nos assim a árdua tarefa da selecção, para lhe dar apenas o «filet mignon», a «crème de la crème», ou qualquer outra metáfora culinária que lhe deixe água na boca. Aqui fica.

«Isto é tudo nosso». É o que facilmente nos passa pela cabeça quando chegamos à Playa Grande, uma das primeiras praias da província de Guanacaste, na Península de Nicoya. A Praia Grande integra o Parque Nacional de las Baulas (tartarugas), um dos 21 parques naturais do país. À excepção dos pelicanos com quem repartimos o banho, e que nos dão o prazer de os ver mergulhar certeiros, direitinhos ao almoço, a Praia Grande é uma extensão de praia deserta, integralmente nossa. Quase por acaso, tropeçamos num viveiro de tartarugas do MINAE, o Ministério do Ambiente da Costa Rica. Aqui, encontra-se a estação biológica de um projecto de investigação sobre as tartarugas de couro («leatherback»), a espécie em maior perigo de extinção. Estas chegam a ter 1,5 metros de comprimento, e vêm desovar à noite, nesta praia. Por isso, a zona é protegida, e fecha das 18h às 5h da manhã – para que ninguém pise acidentalmente uma «baula» (tartaruga) ou roube os ovos, contribuindo ainda mais para a sua extinção.

O viveiro pelo qual passámos é na verdade um recinto fechado onde a equipa de investigadores coloca os ovos de tartaruga que são postos na maré baixa, e resgatados da morte certa. Enterrados a 75 cm de profundidade, os ovos são controlados de 20 em 20 minutos, durante 24 horas, e vigiados durante a noite em permanência por dois membros que dormem ao relento – mostra da dedicação dos investigadores. A recompensa chega quando as tartarugas nascem, geralmente de noite e, se tiverem 17 cm, são levadas para a água, aumentando as suas possibilidades de sobrevivência. «Em cada 1000 tartarugas, apenas uma atinge a maturidade sexual e chega a pôr ovos», explica Gabriela Blanco, uma argentina da Patagónia que se encontra a fazer o doutoramento em biologia marinha sobre tartarugas.

Este projecto de protecção das tartarugas tem 20 anos (pode saber mais em www.leatherback.org). Frank Palladino foi o seu fundador. Há duas décadas, o cientista veio para aqui, com o seu sócio James Spotilla, estudar as tartarugas. «Fomos os primeiros a pôr sinais de satélite nas ‘baulas’», explica. «Assim como fomos nós que descobrimos que o sexo das tartarugas dependia da temperatura dos seus ninhos». Frank lembra-se perfeitamente de, na praia de Tamarindo, uns km a sul, se assistir a uma desova de 100 tartarugas por noite… Mas isso era antes desta se ter convertido num pólo turístico, quando só havia dois hotéis e ainda não se tinha cortado a vegetação em volta. «Hoje, há zero desova de tartarugas em Tamarindo», assegura o professor catedrático norte-americano. E se não fossem este homem e este projecto, a Praia Grande poderia ser outra Tamarindo, cheia de gente, de hotéis, de turismo – e vazia de vida animal.

Em 1993, o governo decretou a área em redor da Praia Grande «Parque Nacional Las Baulas», no seguimento da política de eco-turismo em que a Costa Rica apostou, da qual resultaram os 21 parques nacionais existentes hoje. Nessa década, o país promoveu-se como um destino amigo do ambiente, mas Frank afirma sem pejo: «a Costa Rica diz-se muito verde e ‘eco-friendly’, mas há outro verde que fala muito alto - o verde do dólar…» O norte-americano espera conseguir travar a fúria imobiliária, mas a pressão é imensa. Ainda por cima, «neste momento, os parques nacionais estão algo ameaçados, por falta de dinheiro», diz. Na verdade, basta andar pelas estradas para constatar a quantidade assombrosa de placas a dizer «vende-se». Por vezes, mesmo nos sítios mais inverosímeis, nos pontos mais elevados de uma montanha, há terrenos para construção de casas particulares ou condomínios de luxo com vista para o mar. Nomes tão familiares como ‘Remax’ ou ‘Century 21’ podem ser encontrados lado a lado com as mais belas paisagens. Por isso lhe dizemos: venha depressa, antes que isto mude… Venha depressa, antes que os americanos façam deste santuário ecológico a sua colónia de férias.

Sodas e ceviche, «con mucho gusto!»
Uma coisa é garantida: há muita coisa e muito bonita para ver, e quanto menos acessível, mais intocada. ‘Explorar’ é a palavra de ordem. De jipe, transporte obrigatório para conseguir trepar a tudo quanto é morro, e desfrutar das mesmas vistas de que nós desfrutámos, rumamos ao sul - e ao longo da nossa viagem, a experiência que tivemos foi: quanto mais a sul, melhor. Partindo de Flamingo, vamos em direcção às praias de Brasilito e de Conchal, que ao contrário das outras, tem conchas em vez de areia preta. Conchal é uma bela praia, mas um pouco mais à frente esconde-se outra bem mais apetecível: a Baía dos Piratas. Com um rochedo arborizado plantado no meio do mar, tem árvores de mangal na praia, à sombra das quais os locais se abrigam do sol, e até galinhas picam alegremente o areal. Esta é uma óptima escolha para se deixar ficar a ver o pôr-do-sol, já que este baixa langoroso entre duas rochas, antes das 18h. Uns quilómetros mais à frente, a Playa Ventanas, uma longa extensão de areia resguardada e deserta, é outra excelente proposta para passar o fim da tarde, a sós ou a namorar. E a seguir, lá está a Playa Grande, o nosso segredo bem guardado, onde as tartarugas vêm desovar.

Coroamos a tarde na esplanada de uma ‘soda’ (o nome dos restaurantes locais), onde o ambiente é típico e o peixe e marisco frescos. Com o som das ondas por embalo, degustamos um ‘ceviche’ (obrigatório, sempre que estiver na América Central) e uma lagosta grelhada, na esplanada da ‘Casita del Pescado’, na Praia Brasilito. Um aviso: não deverá sair do país sem ter experimentado duas especialidades locais: o «casado», prato composto por peixe, carne ou marisco acompanhado por arroz e feijão, e ‘gallo pinto’, um saboroso refogado de cebola e pimento com arroz e feijão, servido essencialmente ao pequeno-almoço. Outra coisa certa é que no fim de cada frase de um Tico que o atenda estará sempre um «mucho gusto!». De estômago confortado e olhos saciados de novidades, atiramo-nos ao descanso. Amanhã espera-nos mais um dia de estradas de terra batida, trekking, aventura e muita descoberta.

Continuando para sul, onde nos aguardam algumas das mais belas praias da costa do Pacífico, saímos do familiar hotel Conchal, pertença de um inglês e de uma dinamarquesa que ali assentaram arraiais com as duas filhotas depois de bastante viajar, para nos fixarmos, ao fim do dia, no Punta Islita, membro dos ‘Small Luxury Hotels of the World’. Pelo meio, o caminho é cheio, aventuroso e com muitos pontos de interesse. E para que a experiência seja sempre a subir, começamos pelo ‘pior’: Tamarindo. A afamada praia é muito popular pelo surf e pela vida nocturna, apesar de haver ondas bem melhores na Playa Grande ou mais abaixo, em Playa Negra e Avellanas. Esta é uma boa praia para aprender a surfar, e se gosta de estar num sítio animado e com gente, pode passar por lá. Mas quanto a nós, Tamarindo desenvolveu-se de forma pouco harmoniosa, com ruas de hotéis, bares e lojas iguais a tantos outros lugares turísticos. E perante o que nos espera… o melhor é deixar Tamarindo desaparecer no espelho retrovisor… Regressa a condução desportiva, o «rally-cross», como lhe chama o António, os rios que se atravessam. Regressa o país rural em que nos embrenhamos com vontade, a ausência de placas ou indicações. Aventura pura. O melhor é ir perguntando, que quem tem boca… vai a qualquer lado. Chegamos a Playa Negra, o paraíso dos surfistas experientes – este ‘surf’ é bastante difícil, já que a praia tem dois recifes. Aqui, como em Avellanas, encontram-se surfistas mais velhos, algumas famílias. Há muitas opções de estadia, e em conta. Passamos pelo Paraíso - já podemos dizer que estivemos lá, e é lindo, asseguro-vos -, até que chegamos à praia que elegemos como «o mais belo pôr-do-sol» da Península de Nicoya: Ostional. Espreguiçando-se ao longo da estrada, esta praia deserta é simplesmente divinal. Mais à frente, os areais de Nosara, Samara, Carrilho e Puerto Carrilho também valem a visita. Guarde-os para um dia em que queira passear em redor de Punta Islita – para onde seguimos agora. Empoleirado em cima de uma montanha, e escondido por densa vegetação, depois de muitas voltas e apelos à intuição… eis-nos chegados.

Casar na Costa Rica
A fogueira já crepita na praia, quando atingimos o nosso destino. Todas as noites, o som do mar, a luz das estrelas e as centelhas da fogueira podem fazer-lhe companhia no El Borrancho Beach Club, como no 1492, os dois restaurantes do Punta Islita. O hotel foi pensado como projecto de eco-turismo, tendo ganho vários prémios de conservação e diversidade, e assumindo preocupações de responsabilidade social, nomeadamente para com a comunidade local. A vertente ecológica está presente nos 35 quartos e 10 ‘villas’, onde há caixotes do lixo para orgânico e não-orgânico, e se é incentivado a não mudar diariamente os lençóis e toalhas, para poupar recursos.

Empoleirado no topo de uma colina, escondido do resto do mundo por estradas de difícil acesso e floresta tropical seca, o Punta Islita é daqueles hotéis em que pode facilmente esquecer-se de tudo e ficar por ali o tempo que quiser. A propriedade espraia-se em altura. No topo, a recepção, que partilha o espaço com o restaurante 1492 e a piscina «infinita», cuja linha de água parece fundir-se com o oceano, tem uma vista incrível sobre o mar. Um baloiço debaixo de um telhado de colmo convida à evasão. A mesma vista, embora de um ponto mais baixo, é a que nos brinda de manhã, ao acordar na nossa villa de praia. Com dois quartos, uma sala, cozinha, e piscina privativa para quem quiser ficar de molho, as ‘villas’ permitem total independência.

Lá em baixo, aos pés do monte, a praia espera por nós. E Sol. Não o Deus egípcio, mas uma das instrutoras de ioga que todos os dias se revezam aqui. Acredite, vale mesmo a pena fazer uma aula (às 8h ou às 16h, por 20$) neste cenário de verde, com os passarinhos a servirem de banda sonora. Uma excelente forma de começar o dia - ou de pontuar a tarde -, na certeza de que após a aula, um mergulho na água fresca vai saber-lhe a ginjas. Na praia, decorre a preparação de um casamento que ali vai acontecer, ao fim da tarde. O Punta Islita é bastante procurado para celebrar bodas, especialmente por norte-americanos. Nem de propósito, partilhamos a aula de ioga com Marcello Galli, o oficiante de casamentos civis que vai oficializar a cerimónia, ao pôr-do-sol. «São dois nova-iorquinos do jet-set, que vão ter direito a anúncio no NY Times e tudo», conta-nos. Há muita procura de casamentos na Costa Rica, explica Marcello, que faz isto há 8 anos. Já casou mais de 600 pessoas, cerca de 130 casais por ano, em cataratas, vulcões... Do seu currículo faz parte até uma celebridade pop: a cantora Pink, que casou em Janeiro de 2006, no Hotel Four Seasons Papagayo. O casamento é válido por lei, garante o oficiante, que cobra $750 por boda (o hotel cobra cerca de $1200). Se um dia decidir casar na Costa Rica, já sabe… pode ser que o ‘padre’ Marcello faça um desconto.

A caminho de Malpaís
Por muito bem que se esteja no Punta Islita – e está-se muito bem -, a curiosidade para desbravar o que nos falta da Península de Nicoya é mais forte que nós. E em boa altura, porque o percurso até Malpaís vale a pena. Conte com duas horas de caminho, nas já familiares estradas de terra batida, com os habituais rios para atravessar e vacas no meio da estrada. As paisagens do costume vão desfilando ao nosso lado, até chegarmos à bela praia de Santa Teresa de Malpaís. O último troço do percurso até ao Florblanca, o hotel que procuramos, faz-se pela praia, entre rochas, na maré baixa. Quando a água sobe, o acesso já só é possível de barco, pois o Florblanca encontra-se aninhado no meio da selva, em frente a uma praia de forte corrente. O hotel de 11 ‘villas’, imersas na densa vegetação, foi inaugurado em Junho de 2002, sendo os seus proprietários norte-americanos da Carolina do Sul.

Susan Money e Greg Mullins decoraram o exclusivo Florblanca com elementos balineses, estatuetas e Budas do sudeste asiático, e oferecem aos hóspedes as aulas de ioga (às 9h e às 16h) orientadas pelo italiano Stefano, que vive há 15 anos na Costa Rica. A piscina está rodeada de árvores ‘Plumeria’, que dão a flor branca na origem do nome do hotel, e tem uma cabana onde se podem fazer jantares privados ou simplesmente dormir uma agradável sesta na rede que lá existe. O Florblanca não aceita crianças com menos de 13 anos, mas se for esse o seu caso, tem uma boa alternativa logo ali ao lado. O Milarepa existe há dez anos, é da parisiense Caroline, tem quatro ‘bungalows’ em cima da praia e não tem restrições etárias. Com preços bastante mais acessíveis que o Florblanca, pode estar na piscina quando está maré alta, há massagens e aulas de ioga privadas. Na maré baixa, formam-se ali piscinas naturais, perfeitas para chapinhar na água e observar crustáceos.

Malpaís é uma região muito gira, cheia de hotéis pequenos e restaurantes simpáticos – como é mais remota, está ainda bastante intocada. A Península acaba em Cabo Blanco, a primeira Reserva Natural constituída na Costa Rica, em 1963. É para lá que vamos, mirar o horizonte, ali onde a terra acaba, pois aqui termina a primeira parte da nossa viagem. Amanhã partimos para Quepos, conhecida sobretudo pelo Parque Nacional Manuel António, uma das reservas mais visitadas do país. Levamos os olhos e a alma cheios de paisagens e belezas sem fim, saciados de gentileza Tica. Mas também a expectativa perante o que nos reserva…

‘Top ten’ praias Guanacaste:
Ostional – o melhor pôr-do-sol
Playa Grande* (Flamingo)
Conchal
Baía de los Piratas
Nosara
Samara
Puerto Carrillo
Santa Teresa de Malpaís
Ventanas
Playa Negra *

Surf:
- Playa Negra
- Avellanas
- Playa Grande

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