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BLUE
TRAVEL No. 20 | FEVEREIRO 2005
TODOS OS TEXTOS
© BLUE TRAVEL |
KATYA DELIMBEUF
Dinamarca Copenhaga
Em Copenhaga respira-se qualidade
de vida. A cidade foi pensada para as pessoas e, como tal, o design está
por todo o lado: nos cafés trendy, nos restaurantes e hotéis
com decorações irrepreensíveis, até na forma
como as pessoas se vestem. Ao pé deste povo educado e evoluído,
a quem o Estado paga para se instruir, os países latinos estão
a anos-luz da civilização.
Por
Katya Delimbeuf / Fotos de António Nascimento
Simplicidade, tranquilidade,
qualidade de vida estas são as primeiras impressões
de quem chega a Copenhaga, cidade organizada e clean, onde o design é
rei e tudo é belo. Um sítio onde apetece viver...
A vida é simples em Copenhaga. Esta poderia bem ser a máxima
que melhor assenta à capital dinamarquesa. Há uma sensação
de leveza no ar, de simplicidade um sentimento de que aqui, de
facto, a vida é menos complexa. As pessoas andam sorridentes na
rua, parecem felizes. Não há semblantes carregados, denunciadores
de crises económicas ou outras. Em Copenhaga respira-se tranquilidade.
Nada de filas de trânsito, nem buzinas, já que toda a gente,
do homem de negócios a mães com filhos, anda de bicicleta.
A taxa de criminalidade é praticamente inexistente. E os exemplares
que se passeiam na rua, homens e mulheres, parecem pertencer a uma espécie
melhorada, cuidadosamente cruzada entre si para produzir caras e corpos
assim. São todos bonitos, altos, magros e louros, e elas são
lindíssimas. Para onde quer que uma pessoa se vire, parece que
depara com top-models em grupo... Os copenhaguenses usufruem de
uma elevada qualidade de vida, visível nos espaços verdes
que povoam toda a cidade, no tempo de lazer de que dispõem e até
nas roupas que usam. É um povo naturalmente fashion. Os dinamarqueses
e as dinamarquesas exibem um estilo e um bom gosto a vestir quase inatos,
e demonstram diariamente como parecer cool usando botas de borracha para
a chuva e o cachecol ou a bóina da avó.
É preciso perceber que este bom gosto e educação
visual é uma herança que vem de trás. Nos anos 6o,
quando palavras como design e moda não faziam parte do vocabulário
de muitos países, a Escandinávia já dava cartas
no design industrial e no mobiliário. Há 5o anos, a Dinamarca
já era conhecida pelos seus móveis e artesãos. O
Estado investiu sempre na educação, na qual reconheceu uma
prioridade, e ainda hoje financia a 1oo por cento os estudos dos jovens
até ao fim da universidade. Tudo isto traz frutos. E uma aplicação
disso é que, qualquer café onde se entre ou se tropece
tem uma decoração de deixar a boca à banda.
Sofás trendy, mobiliário com um design cuidado, candeeiros
arrojados, algumas orquídeas, cores fortes, cantos bem conseguidos
e já está... A facilidade com que os dinamarqueses sabem
decorar um espaço é surpreendente!
Pela própria arquitectura da capital se entende a personalidade
deste povo. Copenhaga é uma cidade clean, arrumada, com construções
baixas e arranha-céus que se contam pelos dedos de uma só
mão. Os materiais mais comuns são a tijoleira nos
edifícios mais antigos e o vidro e o aço nas construções
modernas. Pode até haver vários estilos diferentes numa
mesma rua, com fachadas de cores garridas ao pé de sólidas
construções antigas mas não chocam, porque
prevalecem as mesmas proporções e o mesmo padrão
de bom gosto. Mais: não vimos uma única casa abandonada
ou um prédio em ruínas. A preservação, tanto
dos espaços urbanos como dos espaços verdes, é outra
prioridade. Este é um povo civilizado, evoluído, educado,
com apurado sentido estético e uma enorme noção de
bom gosto.
Baby boom
E os bebés? Há bebés por todo o lado, dezenas de
bebés Dodot, louros de olhos azuis e dentinhos de fora,
daqueles que apetece levar para casa. Este evidente baby boom é
outro sinal da qualidade de vida dos dinamarqueses. É comum ver
famílias com três e quatro filhos que, de resto, transmitem
uma atmosfera muito positiva. Existem óbvias adjuvantes sociais
para este facto, que o Estado assegura com orgulho. Um país rico
não tem medo de produzir bebés. É o que
nos confirma Katerine Andersen, uma mulher bonita e atraente, mãe
de pasme-se, a avaliar pela silhueta três filhos.
Katerine e a amiga encontram-se no simpático Café Plantagen,
no bairro de Norrebro uma zona na berra, com muitos
locais agradáveis, lojas de roupa em segunda mão e bric-à-brac.
É um dos mais recentes acrescentos da cidade, juntamente
com os bairros de Vesterbro e Islands Brygge, cheios de gente jovem e
criativa.
Esta programadora informática, de 38 anos, encontra-se a curtir
a licença de maternidade de um ano da filha de cinco
meses, Liva. Nós podemos ter filhos. Não temos medo
de não os poder sustentar. Não somos um país pobre,
diz. Na verdade, lembro-me que quando fui a Londres e a Paris de
férias com os meus filhos, senti dificuldades. As coisas lá
não estão planeadas para facilitar a vida às pessoas,
especialmente quando têm crianças. Ao contrário
do que se passa aqui. Todas as esplanadas em Copenhaga têm mantas
para os seus clientes, de modo a que nenhum arrisque uma constipação.
Se pensa que nos meses mais frios as esplanadas ficam vazias, engana-se.
Cogumelos caloríferos e mantas bastam para assegurar fiéis
o ano inteiro. Afinal, há que apreciar a vida. E os dinamarqueses
parecem saber fazê-lo.
Cem metros à frente, noutro café, o Pussy Galore, conhecemos
Josephine Philip, uma morena cheia de atitude. Josephine tem uma bonita
voz grave e é vocalista de uma banda ska (um parente do dub e do
reggae) chamada Favelachic, formada exclusivamente por raparigas
seis, na guitarra, bateria, baixo, acordeão, saxofone e voz. Encontramo-la
antes de ir ensaiar. Com 22 anos, Josephine estuda numa escola de artes
que dá para muita coisa: artes gráficas, música...
Aqui na Dinamarca recebe-se dinheiro para ir à escola, lembra
ela, relembrando-nos a nós como estamos (ainda) a anos-luz do mundo
civilizado. Há dois anos que Josephine leva a música mais
a sério, apesar de ter descoberto, aos 15, que sabia cantar. Decidiu
que queria dedicar-se ao ska quando foi assistir a um concerto e achou
que era uma música muito positiva. Já gravaram
um CD com quatro faixas e deram concertos, incluindo fora de portas, na
Alemanha. Josephine é de Copenhaga e adora viver ali. Há
sempre muita coisa a acontecer, apesar de ser uma cidade pequena.
Na verdade, esta é uma capital que se atravessa facilmente de bicicleta,
mas há vários focos de interesse onde se sente bem o pulsar
da cidade. Para além de Norrebro (a norte), os bairros de Islands
Brygge e Vesterbro (a oeste). É para lá que vamos.
O bairro dos artistas
Em Islands Brygge sucedeu o mesmo que com a nossa Expo. Há cinco
anos, não havia aqui vida nenhuma para lá dos contentores
e dos armazéns. Hoje, o aspecto exterior engana, e só entra
quem sabe que se passa algo como é o caso da galeria de
arte moderna Nicolai Wallne, escondida atrás de portas sem letreiros.
Andámos à procura durante algum tempo antes de a encontrar...
São seis, actualmente, as galerias de arte contemporânea
neste bairro.
Num antigo complexo industrial, um enorme monta-cargas sobe penosamente
até ao 6.o andar. Numa e noutra extremidade do corredor, como em
todo o prédio, estúdios estão alugados a jovens designers,
artistas e publicitários, por rendas baratas. Marika Seidler abre-nos
a porta do seu atelier e fita-nos com dois redondos olhos azuis, emoldurados
numa face branca, angélica, o cabelo liso, castanho claro, preso
por uma fita. De cara lavada, com um ar muito clean, a video artist
viríamos a saber , convida-
-nos a entrar. O atelier está exactamente como se espera de um
espaço partilhado por oito pessoas, entre pintores, designers,
fotógrafos e sonoplastas: desordenado e confuso, com todo o tipo
de objectos pelo chão. Há estiradores com cartolinas e esboços
de futuros quadros. Por entre sapatos, latas de cerveja vazias, tubos
de tinta, mesas, moldes, pedaços de tecido, colchões e malas
abertas, chegamos ao cantinho de Marika.
Tem 32 anos (será que aqui ninguém aparenta a idade que
tem?) e trabalha com vídeo. Para ela, foi a desculpa
que arranjou para falar com as pessoas de uma forma diferente, pela
imaginação e pela fantasia. Gosta de trabalhar de
improviso, de filmar pessoas e inspirar-se nas histórias que lhe
contam para conseguir imagens e construir imaginários (www.marikaseidler.com)
Mas como o vídeo na Dinamarca não tem muita saída,
trabalho essencialmente no estrangeiro, conta. Realiza projectos
específicos, graças a bolsas que vai ganhando. Dois
terços do meu tempo é passado a preencher candidaturas para
projectos, diz, com um laivo de tristeza a perpassar-lhe o olhar.
Já trabalhou na Rússia, no Líbano, na Síria,
no Benim, e em breve rumará ao Japão. Foi uma das seis escolhidas
para concorrer à Danish Gold Medal, que deverá debruçar-se
sobre o tema O Futuro como Algo Estranho. Quanto tempo
vou ficar? O tempo que o dinheiro der.
É com pena que nos despedimos de Marika e regressamos à
linha de Islands Brygge que percorre o canal. De um lado e de outro, construções
modernas testemunham a reconversão do antigo bairro industrial
e actual bairro da moda. Num dos extremos do canal, uma piscina exterior
de madeira, de traço arrojado, surpreende pela localização.
Construída por uma reputada firma de arquitectos, a Plot, em 2ooo,
a piscina parece um barco ancorado à doca, tanto mais que as suas
linhas dão ares de caravela. É toda de madeira clara e tem
duas zonas com água do canal tão limpa que os locais
se banham nela sem receios. No Verão, este é um dos sítios
mais populares da capital. Os relvados em volta ficam apinhados de gente
a apanhar sol. Hoje, apesar de estarem uns 18o C, miúdos pequenos
tomam banho e correm livremente, com um ar satisfeito.
Um português em Copenhaga
Novo dia, novo passeio por novo bairro hip: Vesterbro. Esta era uma antiga
zona portuária, frequentada por drogados e prostitutas, chamada
de Red Light District. Progressivamente, transformou-se numa zona jovem,
cheia de cafés com decorações giras, lojas de roupa
alternativa, cabeleireiros e restaurantes simpáticos. A Istedgade
é a principal rua deste bairro cujo nome, Vesterbro, significa
a oeste da ponte (uma remanescência do tempo em que
o centro de Copenhaga era acessível apenas por ponte) e continua
a ser um sítio sui generis. Se o início da rua conta com
numerosas sex-shops e tem um ambiente mais pesado, à medida que
se vai subindo vão aparecendo as lojas de roupa, de candeeiros,
os cafés e restaurantes com decorações impecáveis.
A paragem para almoço reserva-nos uma surpresa. Num restaurante
de sushi, decorado a preto e vermelho com interiores e design irrepreensíveis,
o chef é português. Carlos Oliveira, um moreno de bigode
e pêra aparada parecido com Joaquín Cortez, tem 33 anos e
veio para Copenhaga há cinco. A única coisa de que se arrepende
foi de não ter vindo mais cedo, graceja. Se não
fosse o clima, era muito fácil viver aqui. E desfia o rosário
das vantagens: a ajuda do governo (o salário mínimo na Dinamarca
são 7.ooo coroas, cerca de mil euros), a taxa de criminalidade
muito baixa, a abertura das pessoas... Este antigo técnico de restauro,
que chegou a trabalhar no Convento de Mafra, trocou o Barreiro por Copenhaga
influenciado por um amigo que lhe louvava as maravilhas da vida na Dinamarca.
Depois de umas férias em que ficou bem impressionado, decidiu tentar
a sorte. É chef do SticksnSushi há dois anos,
ganha bem, não pensa voltar. Ofereça uma experiência
às suas papilas gustativas e passe por cá para provar algumas
das iguarias que aqui se fazem. Além disso, é a paragem
perfeita entre passeios e compras pelo bairro.
A terra do design
Se há coisa incontornável em Copenhaga, que só um
cego não consegue ver, é o design. Não faltam cafés
e restaurantes com cadeiras de designers conhecidos, como as icónicas
Egg, Swan e Ant de Arne Jacobsen,
ou as de Verner Panton, os candeeiros Artichoke de Paul Hennington,
ou os sofás de Borge Mogensen... Os hotéis e restaurantes
são os primeiros a exibir orgulhosamente essa herança, por
isso não se espante se estiver sentado numa cadeira de seis mil
euros ou a dormir numa cama de 3o mil euros (!) É o que lhe pode
acontecer se ficar no Hotel Alexandra, na sala de pequeno-almoço
ou no quarto 341, onde o mobiliário é de Finn Juhl. Há
ainda quartos desenhados por Ole Wanscher, Hans J. Wegner ou Arne Jacobsen,
grandes nomes do design e do mobiliário dinamarquês.
Arne Jacobsen, então, é uma espécie de Deus
em Copenhaga. As suas obras estão em toda a parte, a começar
no primeiro arranha-céus da cidade, o Radisson SAS Royal. Construído
em 196o, este clássico do design dinamarquês mantém
o quarto 6o6 exactamente como foi deixado por Jacobsen com as cadeiras,
a cama, o mobiliário em módulos, os toucadores que recolhem
em caixa. Se for um apaixonado da área, nada como fazer um dia
Arne Jacobsen. A seguir ao Radisson, rume até Klampenborg
e Bellevue, a 7km do centro, uma zona de moradias com jardim, muito agradável
para passear. Aí, pode passar pela original estação
de serviço que Jacobsen desenhou para a Texaco e continuar a pé
pela passadeira à beira-mar, até chegar a Bellevue.
Sendo a única praia em Copenhaga, é muito concorrida, apesar
de os apartamentos em frente também eles projectados por
Arne Jacobsen serem dos mais caros da cidade. Um apartamento aqui
pode custar um milhão de euros...! Já agora, aproveite a
incursão para ver o Teatro Bellevue, outro projecto do arquitecto,
e termine em beleza com um almoço ou um jantar no belissimamente
decorado restaurante Jacobsen.
Kasper, o designer do momento
Kasper Salto é, actualmente, o maior designer dinamarquês,
assegura-nos Kirsten Weth, a gerente do Hotel Alexandra, que nos pôs
em contacto. Formado em design industrial, Kasper é hoje particularmente
reconhecido pelas suas cadeiras, como a Ice e a Runner.
Trabalha para a Fritz Hansen, a maior empresa dinamarquesa de mobiliário.
Tem 37 anos, um ar de menino bonito de cabelo claro e olhos azuis, e uma
filha de quatro anos e meio, Agnes. Desde miúdo que fazia objectos
com as mãos. Kasper tem uma teoria interessante sobre o porquê
de a Escandinávia ter tão bom design; por causa do
clima e do frio , as pessoas passam muito mais tempo em casa
que nos países do Sul. E em casa, começam a olhar para os
móveis que os rodeiam e a pensar em como melhorá-los
a sua qualidade, o seu design. Para ele, as referências maiores
do design são Charles Eames, Arne Jacobsen e Alvar Aalto. O próprio
Kasper já recebeu vários prémios, o último
dos quais o de Mobiliário da Dinamarca, em 2oo3. Pode comprovar-lhe
o talento no site, www.kaspersalto.dk
A meio da tarde paramos no Black Diamond, a nova ala da Livraria Real,
para apreciar a majestade do edifício, moderníssimo, de
vidro e mármore negro, onde se reflectem as nuvens, a estrada e
os carros. Acabado de construir em 1999, à beira-rio, é
o sítio ideal para tomar um café e ver a vista. Lá
mais para o fim do dia rumaremos ao Planetário Tycho Brahe para
ver o pôr do Sol à semelhança do que fazem
os locais. Rodeado por um parque, este cilindro de tijoleira amarela com
mosaicos azuis a formar padrões geométricos é um
dos edifícios mais distintivos de Copenhaga. À beira de
um lago com vários repuxos de água, os patos fingem-se de
pavões com caudas quando lhes passamos à frente. Muitos
são os que aqui vêm gozar o entardecer, correr, andar de
bicicleta ou de patins.
Penso uma vez mais na qualidade de vida destes dinamarqueses. Os sorrisos
que ostentam na cara, o ar despreocupado, a simplicidade aparente da sua
vida e a forma como esta cidade os serve. O berço de Soren Kierkegaard
o existencialista, o angustiado tem uma das taxas de suicídio
mais altas da Europa. Vá-se lá perceber... Há mistérios
na vida para os quais nunca haverá resposta. Ao passar a ponte
Oresund, a maior do mundo, deito um último olhar às pás
gigantes de energia eólica que se encontram plantadas no meio do
rio e digo adeus à civilização.
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