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Nos
Alpes italianos, junto à fronteira com a Suíça, Cervinia
é uma aldeia encaixada num vale com vista para esplendorosas montanhas.
Com neve o ano inteiro e pistas acessíveis para crianças
(o que a torna um bom destino de famílias), tem no ski o seu principal
atractivo, mas não o único: a hospitalidade, a boa gastronomia
e o bom vinho, e o serviço irrepreensível do Hermitage fazem
de Cervinia o local perfeito para um fim-de-semana prolongado. Achille Compagnoni é já uma lenda local. E não é para menos. Do alto dos seus 91 anos, o conhecido alpinista conta-nos a história que lhe garantiu um lugar nos registos mundiais: foi o primeiro homem, em 1954, a atingir o cume do K2, nos Himalaias, a segunda montanha mais alta do mundo, a 8611 metros de altitude, e a mais difícil de conquistar. A expedição, composta por 10 homens, ficaria na História como a «conquista italiana do K2» e granjeou fama a Compagnoni mas teve o seu preço. A sua sala está repleta de prémios e taças, de fotografias com personalidades que vão do papa João Paulo II a Gina Lollobrigida, mas Achille também perdeu com a expedição. Perdeu as pontas de dois dedos, o que o impediu de voltar a escalar, perdeu um companheiro de jornada, e viu a morte de perto. Para se ter apenas uma ideia, a 200 metros do cume, Compagnoni apercebeu-se de que a sua provisão de oxigénio tinha chegado ao fim. De um lado estava o fracasso, do outro possivelmente a morte. Achille e outro companheiro optaram por continuar, mas cada movimento foi feito à custa de um terrível sofrimento. A 21 de Julho, os dois homens atingiram o topo da montanha. A 3 de Agosto, o mundo soube que a bandeira italiana flutuava no cimo do K2. Sentado a um recanto do Hotel Compagnoni (originalmente, a primeira casa de Cervinia), o alpinista repete-nos aquilo que disse no final da expedição: «A vida vale mais que qualquer conquista». Antes do K2, como treino, subiu 106 vezes o Monte Cervino, o ponto cimeiro da montanha de Cervinia. «O Monte Branco é belo, o Monte Rosa também», diz, «mas o Monte Cervino é o mais bonito de todos e o mais difícil de escalar nos Alpes». No outro extremo da vida está a pequena Jasmine, que com 8 anos se tornou na pessoa mais jovem do mundo a conquistar o topo do Monte Cervino, a 4478 metros. Na loja de aluguer de skis Corradi, uma foto à entrada chama a atenção: uma menina loura, com o pai, no cimo de uma montanha, acompanhada pela legenda «Bravo Jasmine!». Filha de um guia alpino, a garota estava habituada a ouvir conversas sobre alpinismo e escalada mas os pais nunca pensaram que alguma vez lhe passasse pela cabeça aquilo que em 2003 (com apenas 6 anos) verbalizou. «Pai, vamos subir até ao Monte Cervino » A ideia, que de início parecia perfeitamente irrealista, ganhou aprovação parental em 2005. Pelo menos, «para tentar». A escalada do Monte Cervino faz-se em dois dias, com dormida numa cabana, ao fim do primeiro. Às 5h da manhã, Jasmine e os pais partiram. A pequena subiu a montanha no mesmo tempo que os clientes de escalada do pai. Ao segundo dia, o casal estava disposto a voltar para baixo mas Jasmine não. Sem nunca pedir ajuda, só a 20 minutos do cume lhe faltaram as forças. Aí, foi o incentivo dos pais, a tão pouco tempo do objectivo, que a fez continuar e o desejo de «abraçar a cruz de madeira» que lá se encontra. Chegados ao topo do Monte Cervino, o pai de Jasmine chorou. A mãe nunca pensou que a pequena conseguisse. Só o amor à montanha explica este tipo de histórias. E não é difícil perceber porquê, depois de ver o magnífico maciço que circunda a aldeia de Cervinia. Situada num vale, rodeada de montanhas, esta aldeia do Vale dAosta tem como maior atributo a beleza natural que a envolve. Cervinia é pequena, tem cerca de 1500 habitantes (embora em época alta possa alojar 30 mil pessoas) e é composta por uma rua principal em torno da qual se construíram casas, hotéis, lojas... Foram poucos os que mantiveram o estilo alpino,
em madeira. Das baitas tradicionais sobram apenas três
ou quatro como a área de construção era limitada,
por causa do risco de avalanches, cresceram os edifícios altos,
estilo anos 70, menos bonitos que os chalets de montanha, como os da vizinha
estância de Zermatt, na Suíça. Mas Cervinia é
tão afortunada em termos de cenário natural que dificilmente
as construções poderiam ofuscar a montanha. E há
outros atributos a seu favor: a hospitalidade dos italianos, a boa gastronomia
e o bom vinho da região, a proximidade de Zermatt, onde se pode
ir almoçar ou esquiar; o facto de haver neve o ano inteiro inteiro
o que possibilita fazer ski de verão; o tamanho da área
esquiável, imensa (350 km totais de pista), que permite que haja
espaço para todos; e as características de parte das pistas,
azuis e vermelhas, que favorecem a vinda de famílias. É
o ski que traz a maioria das pessoas a Cervinia. Mas o lugar é
bem mais que isso. Antes da IIª Guerra Mundial, o vale era um
lugar de pastagens no verão, onde se vivia do leite e do queijo
das vacas. Ninguém ficava ali de inverno, porque o sítio
era demasiado frio (as temperaturas podem baixar aos -20ºC). Em 1955,
começou o ski. Cervinia viveu o seu período áureo,
frequentada pelo jet-set internacional Onassis, Marilyn, Gina Lollobrigida
- , e depois, pouco a pouco, a clientela foi mudando. Dos italianos, belgas
e franceses derivou para os russos, ingleses e americanos, alemães
e espanhóis. A região guarda, no entanto, particularidades
curiosas. Como as fronteiras entre a França e a Itália se
definiram tarde, o Vale dAosta guarda ainda marcas disso. Não
se espante, assim, ao ver a quantidade de nomes franceses que existem
na zona: a região é bilingue, e na escola todos aprendem
francês e italiano. Por isso, a paragem mais alta do teleférico
se chama Plateau Rosa, e a mais baixa Plan Maison. Há ainda outra
história interessante, relativa à «propriedade»
da montanha: segundo uma lei antiga, de 1865, do tempo do Rei, os proprietários
dos terrenos na aldeia tinham direito à parte correspondente da
montanha, em altura. Assim, esta era pertença de quatro famílias:
os Gaspard, os Maquignaz (que ainda hoje existem em Cervinia), os Frassy
e o clero. Hoje, em teoria, a montanha continua a pertencer a duas dessas
famílias embora na prática elas não possam
fazer uso comercial dela. Mas no caso de Federico Maquignaz, proprietário
do restaurante Tuktu, em Plan Maison, a 2555m, ele está no seu
«domínio»
E que belo domínio para reinar
A primeira paragem é em Plan Maison, a 2555 metros, onde muitos miúdos esquiam em pistas azuis e vermelhas, ideais para aprender e aperfeiçoar a técnica. Já cá voltaremos, para almoçar mas por agora, a curiosidade é quem mais ordena e ordena que se vá para cima. Até ao fim, para Plateau Rosa, a 3480 metros. Aqui, o panorama ainda é mais esmagador O branco reina a toda a volta, há
esquiadores que chegam, outros que partem pela Ventina abaixo uma
das pistas preferidas de muitos, pela sua extensão, uma pista vermelha
de 11 km, que é das maiores descidas de todos os Alpes só
pára em Cervinia. A 3500 metros, com -10ºC, há quem procure
abrigo no Refúgio do Guia de Montanha para uma bebida quente ou
para repor os índices calóricos. No entanto, se quiser almoçar
prefira o Tuktu, em Plan Maison: além da esplanada, ponto de encontro
dos esquiadores que aproveitam o sol, a ementa de Federico apresenta mais
propostas e mais interessantes: filet de veado, polenta, pasta
caseira, e todas as terças-feiras, peixe fresco e marisco trazido
expressamente para ele. «Para mim é o melhor sítio nos Alpes, por causa da neve. Melhor que Cortina, que Sestriere, que Chamonix » Como factores negativos só tem a apontar a idade dos meios mecânicos, que considera já estar na altura de serem modernizados. Igualmente sentados na esplanada, em frente a uma perna de borrego assado e um copo de vinho tinto, estão Mervyn e Michelle Ham. O casal de Gales, bem conservados nos seus quarentas, vem a Cervinia há 7 anos seguidos. «Escolhemos Cervinia para aprender a esquiar, porque a estância tem fama de ter pistas fáceis, e depois fomos passando para as mais difíceis, até termos nível para esquiar o lado suíço, ainda mais difícil», explicam. Na verdade, Cervinia tem pistas azuis, vermelhas e pretas. As mais conhecidas são a do Colle del Theodulo, a 3300m e a Ventina, a 3550 (vermelhas), e a Muro Europa e a Ghiacciaio del Theodulo (pretas). Há muitas pistas azuis, o que torna Cervinia um bom sítio para famílias com miúdos. «O facto de podermos ir a Zermatt almoçar, tomar café ou visitar a vila, que é muito bonita, é outra das vantagens de Cervinia», diz Michelle. «Mas preferimos ficar hospedados do lado italiano, porque as pessoas são muito mais simpáticas. A comida, o vinho e a hospitalidade das pessoas são o que nos faz voltar a Cervinia todos os anos». Só o ano passado, Mervyn veio quatro
vezes a esta aldeia alpina. «E o melhor», continua ela, «é
que podemos comer e beber o que quisermos e depois queimar tudo no ski
»
O verdadeiro argumento feminino
Mas válido. E convincente.
Construído em 1975 e desde então propriedade da família Neyroz, o Hermitage é indissociável do Sr Atílio, da Sra Sílvia e de Corrado, o filho, actual gerente do hotel que desde 1997 recebeu o selo de qualidade da Relais & Châteaux. «Queremos que as pessoas se sintam em casa», diz a Sra Sílvia, que veio viver para Cervinia aos 23 anos, quando se casou com o Sr Atilio, natural daqui. Com 33 quartos e 7 suites, o Hermitage conta ainda com pequenos mimos como o jipe à porta, pronto para levar os hóspedes à aldeia ou às pistas sempre que eles o requisitarem, ou uma lista de 50 filmes à escolha na recepção para quem decidir fazer um serão caseiro no conforto quentinho dos quartos. Os jantares são primorosas refeições gourmet, com quatro pratos diários à escolha, para além da carta com variadíssimas opções, do carrinho de queijos e de sobremesas, com zabaione feita à sua frente pelo maître dhotel, a pedido, ou a creme brûlée, que aconselhamos vivamente. Tudo servido diariamente sobre marcadores de prata e talheres de prata. Depois do jantar, pode rumar à sala de estar, onde a lareira acesa convida a uma grappa, enquanto conversa ou olha para a neve que cai lá fora através dos grandes janelões de vidro. O Hermitage é, também, o melhor porto de abrigo para se chegar ao fim dum intensivo dia nas pistas, gelado pelos -11ºC lá fora, e entrar nuns agradáveis trópicos os quartos estão a 24ºC -, vestir o roupão e os chinelos, e dirigir-se ao spa. Guiado como que por instinto, pare apenas na marquesa aquecida das massagistas, Indira ou Mónica, e abandone-se aos seus cuidados. Depois, quando estiver completamente relaxado e de sorriso nos lábios, pode sempre flutuar até ao hammam ou à sauna, deixar-se preguiçar na cama balinesa ou nas espreguiçadeiras que povoam o spa, ou dar um mergulho na piscina aquecida. Quanto a mim, depois de vários dias a experimentar todas as opções e combinações possíveis (trabalho a quanto obrigas ) rumo ao meu quarto (o 61) à hora em que já sei que a faixa de sombra da montanha para a qual tenho vista começa a ganhar terreno sobre a parte iluminada. Com os pinheiros nus de permeio e o céu azul em fundo, é uma visão mágica. Dos dias que estivemos em Cervinia, por muito que haja outros lugares simpáticos, posso garantir-lhe o seguinte: não há melhor sítio que o Hermitage para ver o pôr do sol. |||||||||||||||||||||||||||||||||
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GUIA Quando ir Como ir Onde ficar Baita Layet Onde comer Nas pistas Les Skieurs dAntan
(na base da pista Ventina) Les Clochards Le Bistrot de lAbbé
(vineria) Informações
úteis 5 sugestões que recomendamos
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