VIDAS Nº 1532 9 Março 2002

Recomeçar aos 50

No Clube Começar de Novo, uma centena de mulheres põe em prática a convicção de que a meia-idade pode ser gozada plenamente. Afinal, a vida pode recomeçar sempre que uma mulher quiser.

Texto de Katya Delimbeuf
Fotografias de Ana Baião

São 13 horas de uma terça-feira. No interior de uma casa na Lapa, um grupo de mulheres de meia idade prepara-se para mais um almoço semanal. O ambiente é de tertúlia e calor humano. Falam entre si, contando as novidades desde a última vez que se encontraram. Um olhar rápido pelas duas divisões - sala de jantar e escritório - é quanto basta para perceber que o estrato social é elevado. Todas as mulheres, em média nos seus 60, estão impecavelmente vestidas, de «tailleur» e saia-casaco ou fato completo, irrepreensivelmente penteadas, maquilhadas, com jóias de família pelos dedos, orelhas e pescoços. E, no entanto, nada disto tem o «feeling» dum clube de tias da linha...

É assim todas as terças-feiras, de há 15 anos para cá. Apenas as iniciais CCN, ao lado da campainha do rés-do-chão esquerdo, denunciam a existência do Clube Começar de Novo. Criado por Madalena Fragoso e Maria Amélia Martins «para promover uma participação mais activa da mulher na sociedade», o clube surgiu numa altura em que muitas mulheres de 40 e 50 anos, depois de terem desistido da carreira para se dedicar em pleno à vida familiar e aos filhos, eram confrontadas, quando estes saíam de casa, com um enorme vazio. Ocorreu então a ideia de criar um espaço que conseguisse ocupar tempo livre, fornecer informação, possibilitar passeios e permitir a partilha de experiências com mulheres na mesma situação. Começar de novo poderia não ser fácil; mas haveria de ser possível.

O «catering» já chegou. Às 13 em ponto de todas as terças-feiras, a campainha toca e Miguel entra com a refeição escolhida. Só falta mesmo o convidado, o «acompanhamento» destes almoços que se servem sempre com um debate. Hoje espera-se pelo professor Machado Caetano, médico imunologista que presidiu à Comissão de Luta contra a Sida, da mesma forma que já se esperou por pessoas como Marcelo Rebelo de Sousa, Santana Lopes, João Soares, o general Ramalho Eanes, Freitas do Amaral, Alberto João Jardim, os irmãos Portas, Maria de Belém e Manuela Ferreira Leite, ou a primeira-dama, e sócia honorária, Maria José Ritta. O rol de convidados VIP - «uma tradição do clube», segundo uma das sócias - só é possível graças à persistência da presidente, Isabel Morais Sarmento.

 
 
Chegado o convidado, conversa-se um pouco, antes de passar à mesa do almoço. O tema: a actual situação do país. Parece um quadro saído de um livro de Eça. Todos são unânimes em reconhecer as dificuldades e os atrasos. «Nós não temos a cultura do saber», comenta Maria Lucília Cordeiro Dores, farmacêutica, 70 anos bem conservados, enquanto puxa de um cigarro extra-fino Karelia Slim.

A conversa, agradável, prossegue durante o almoço. Três dezenas de mulheres ocupam quatro mesas. Ao café, um toque de sineta desferido pela presidente anuncia o início da palestra. Passada boa meia-hora de informação, está aberta a sessão para o debate. Várias sócias interrogam Machado Caetano, apresentando dúvidas e comentários. «Às vezes, há convidados que vêm para aqui a pensar que isto é um clube de dondocas, e depois sujeitam-se às perguntas», lembra Catarina Vaz Serra, 69 anos, farmacêutica como a irmã, Maria Lucília. «Nem sempre é fácil», diz, com um sorriso, lembrando a passagem de Miguel Portas pela associação.

Uma das primeiras interpelações é feita por Dinora Mascarenhas Figueiredo. Aos 72 anos, esta antiga professora do Liceu Francês ilustra bem o perfil e as motivações de algumas das sócias do Clube Começar de Novo. Entrou há três anos, quando atingiu a idade da reforma compulsiva. De outro modo, hoje estaria ainda, seguramente, a dar aulas, paixão que a ocupou durante 47 anos. Foi quase meio século a ensinar inglês, alemão, português e cultura portuguesa. Aderiu por intermédio de uma grande amiga, «num momento particularmente difícil da vida - uma perda irreparável.» Ao enviuvar, tornou-se para ela premente ocupar o tempo de forma qualitativa. Inscreveu-se na Universidade da Terceira Idade, onde aprende Italiano e História de Arte. «O convívio proporciona-me contactos humanos e intelectuais em perfeito acordo com os meus interesses.» E fazem-se amizades? «Tenho a felicidade de contar com o apoio de algumas amigas sócias do CCN.» A antiga professora não tem dúvidas quanto aos benefícios que estas iniciativas poderiam ter na qualidade de vida dos mais velhos. «Penso que seria muito benéfico as pessoas reformadas ocuparem o seu tempo em actividades como esta, aproveitando para concretizar antigas perspectivas que, só agora, têm tempo para realizar.»

Antes de aderirem, as candidatas a sócias passam por uma entrevista, explica a presidente do clube, Isabel Morais Sarmento, recentemente reeleita para mais um triénio, o seu segundo mandato consecutivo. O propósito é perceber se as interessadas se coadunam com o que a associação proporciona. «O clube não é elitista», garante a presidente. «Mas é preciso que as pessoas se identifiquem e se sintam bem.» Aliás, houve sócias que não se sentiram ambientadas e deixaram de aparecer. De resto, tanto a jóia de inscrição (59 euros) como a mensalidade (12,5 euros) e o preço dos almoços (10,5 euros) são acessíveis. Aos 57 anos, mãe de duas filhas, Isabel começou de novo há dez anos. Em Bruxelas, onde viveu, pertenceu a vários clubes, de forma que, quando regressou a Portugal, já vinha à procura de algo parecido. Para ela, «a principal mais-valia desta associação é a informação».

Maria Lucília Cordeiro Dores está no clube desde que ele existe, há 15 anos. Assistiu ao nascimento do projecto, que acompanhou por intermédio de amigas. Na altura, «o objectivo era que a mulher tomasse consciência do seu próprio valor». Aos 70 anos, mãe por três vezes e avó por quatro, esta farmacêutica assegura: «O clube é, para mim, uma forma de entretenimento. Proveitoso. A principal vantagem que encontro aqui é a boa disposição.» Se tivesse que traçar um perfil das sócias, diria que são «pessoas com uma actividade intelectual marcada, interessadas, actuais». Frequentou praticamente todos os cursos que o clube organiza: «Falar em público», dado pela actriz Glória de Matos; «A palavra falada e escrita», leccionado por Alda Soares, professora no colégio Valsassina; «Arranjos florais»... Foram tantos que lhes perdeu a conta.

A irmã, Catarina Vaz Serra, um ano mais nova, com a mesma profissão, não hesita quando se lhe pergunta qual a maior vantagem de ser membro da Começar de Novo: «A melhor coisa que o clube fez foi tirar as mulheres de casa, da depressão das panelas.»

Por volta das 16 horas, as pessoas começam a dispersar. As sócias que vivem sozinhas prolongam o convívio com um jogo de canasta. No Clube Começar de Novo põe-se em prática o que Ivan Lins escreveu e a voz da brasileira Simone imortalizou, na canção com o mesmo nome. E prova-se que a vida (re)começa sempre que uma mulher quiser.

     

 

Isabel Morais Sarmento (a primeira, à esquerda), presidente do Começar de Novo, num almoço do clube